O Barquinho Cultural

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A paz necessária




Gostaria de escrever com a habilidade e informalidade da Roberta, de Homem é Tudo Palhaço e Mundo Estranho. Ela consegue imprimir aos textos sobre seu cotidiano uma intensidade que eu não consigo, se bem que nunca tentei. É que não sei se meu dia a dia interessa a alguém além de mim. É legal acompanhar o dela, porque sempre rio muito, do escracho que ela bota e do delicioso mau humor que exala às vezes. Nas duas vezes que a encontrei, uma no Rio e outra em São Paulo, não pudemos conversar muito, porque os locais não permitiam, mas deu para sacar que pessoa interessante ela é. Bem, o texto não é para puxar o saco de Roberta, sobrenome Carvalho, mas para dizer que acho meu texto quadrado demais, sem brilho, pouco criativo e até enfadonho por vezes. Muitas vezes me faltam assuntos, e aí fico semanas sem postar nada. Gosto quando vou a algum espetáculo ou lugar, porque aí dá para comentar minhas impressões, e fica o registro, para quando quiser reviver o momento. Agora estou indo sempre para o sul de Minas, e conhecendo cachoeiras e cidadezinhas bem legais. A última foi Pouso Alegre, que forçosamente lá estive porque meu carro quebrou no caminho e a concessionária mais perto era lá. Passamos o fim de semana ali e Isabela achou uma cachoeira de 15 quedas em Congonhal. Um espanto de bonito. foi lá que a tal borboleta azul de que falo aí na lateral me seguiu. Curioso que semana passada fomos em outras cachoeiras em outra cidade e também lá havia o tal inseto, igualzinho, como se fosse o mesmo, nos rodeando. Vai entender! Pouso Alegre é uma cidade relativamente grande (vejo no Wiki que, com 120 mil habitantes, é a 19ª maior do Estado e segunda maior do sul de Minas, atrás de Poços de Caldas) . Tem bastante indústrias e um comércio estabelecido. Já Congonhal tem 10 mil habitantes e é uma cidade turística, e foi lá que paramos em um boteco de beira de estrada para comer uma tilápia e beber cerveja. E tocamos violão para distrair. Um programa bem ameno. Na semana seguinte, de volta para Três Pontas, mais cachoeiras, galinhada em uma fazenda e haras, e na volta comi cigarrete, um salgado típico dali, com sodinha, um refrigerante de abacaxi em uma garrafinha do tamanho da antiga caçulinha. Deu uma nostalgia. Caçulinha era uma garrafinha de guaraná Antarctica, que existia nos anos 60 e 70. Essa sodinha é muito boa, e o cigarrete é um tipo de enroladinho de presunto e queijo, mas há outros recheios, como franco com catupiry e quatro queijos. Muito gostoso, por sinal. Os trespontanos são muito tranquilos, simpáticos, bem humorados e hospitaleiros. Estou me sentindo muito bem naquele ambiente. Estive novamente na bela casa de Beto e sua mulher Ana, onde passamos a noite cantando com ele ao violão, tomando cerveja e ouvindo os passarinhos. Conheci Eduardo, que trabalha no Rio, com quem fomos conhecer uma cachoeira em Sobradinho, nos arredores da cidade. Tomei uma ducha muito boa lá (foto acima). No outro dia fomos a uma galinhada na fazenda de tios de Isabela, com vários parentes dela lá. Fui muito bem recebido e servido, já que a comida e a bebiba estavam fartas. Essa tranquilidade toda me deixa muito bem, a gente que se estressa tanto na cidade. Volto para a metrópole renovado, e com a paciência em dia, por saber que no fim de semana seguinte posso voltar para lá e tomar mais banhos de cachoeira e de paz. Isso, como diz o comercial, não tem preço.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Adiós, La Negra



A cantora argentina Mercedes Sosa, que morreu neste domingo, 4/10, aos 74 anos, me comoveu à primeira vez que a ouvi. Foi dela o primeiro disco que comprei na vida, na verdade uma fita cassete, com a gravação de um show que ela fez no Ginásio do Ibirapuera, em 1980. Comprei porque era uma época em que o meio que eu frequentava respirava música latino-americana, no sentido de integração dos povos, por conta das inúmeras ditaduras que havia no continente. E celebrar aqueles cantores e compositores hermanos era comum entre os nossos artistas. Chico, Milton, Fagner, entre outros, tinham ligações com colegas argentinos, chilenos, cubanos e se gravavam mutuamente. E nós, lá de nossa comunidade em Santo André, bebíamos dessa fonte e ouvíamos avidamente Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanés, Atahualpa Yupanqui, Tejada Gómes, compositores dos quais Mercedes Sosa era, decididamente, a intérprete definitiva. Só para se ter uma idéia, havia, nessa época, pelo menos dois grandes grupos brasileiros dedicados a interpretar canções latino-americana: Tarancón e Raíces de América. Mas Mercedes Sosa, ou La Negra como era chamada, por causa dos cabelos pretos, tinha o dom de emocionar quem a ouvisse. Bem, não sei se todos, mas eu me emocionava e ouvi aquela fita cassete sem parar, não sabendo se prestava mais atenção às letras ou à interpretação perfeita e comovida dela. Cantor de Oficio, Gracias a La Vida, Drume Negrita, Canción con Todos, Los Hermanos, La Carta, Volver a Los 17... canções que eu sabia de cor - se forçar um pouco, ainda sei. E a língua não era barreira, conseguia entender perfeitamente a mensagem por trás daquele espanhol, dada a interpretação precisa que Mercedes sabia dar. Infelizmente nunca pude assistir a um show dela, mas ela estava sempre presente, em participações em discos de brasileiros, aparecendo esporadicamente na TV. Por meio dela conhecemos compositores muito importantes para a luta contra os regimes autoritários, que tinham a palavra como arma e que por causa dela sofriam represálias. A própria Mercedes foi presa em seu país e teve de se exilar em Paris e Madri. Lembrar, agora, de Mercedes, é recordar um período, quase 30 anos atrás, que marcou profundamente minha personalidade, que edificou meu caráter e que me tornou o que sou hoje. Claro que muitos sonhos daquela época tornaram-se apenas sonhos, alguns agora, numa retrospectiva, até bastante ingênuos. Posso dizer que meu coração está mais endurecido, estou um tanto quanto cético, mesmo tendo nossa luta de então tido relativo sucesso com o governo que hoje temos, ou seja, as ilusões ficaram para trás. Mas reconheço que fazem falta aqueles sonhos, aquele vigor de fazer alguma coisa, aquela capacidade de sentir-se cidadão latino-americano e se solidarizar com os outros povos, de se emocionar ao ouvir Mercedes cantar que tem tantos irmãos que não se pode contar. Sei que ainda posso me emocionar ao ouvi-la, assim como me invade uma grande tristeza por sua perda. Sei que o tempo não volta, e nem deveria voltar. Mas as emoções de uma época a gente pode sim reviver, e quem sabe tornar-se uma pessoa melhor, porque havia sinceridade naqueles sonhos, e, como disse aí embaixo, os sonhos não envelhecem.