O Barquinho Cultural

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago, um desafio

Em  1997, eu trabalhava no Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, onde iniciara um ano antes como assessor de comunicação no Grupo de Trabalho Eleitoral para o pleito municipal. Foi nessa época que tive a incubência de divulgar o projeto "Terra", que reunia um livro com textos de José Saramago, fotos de Sebastião Salgado e um CD com músicas de Chico Buarque. Os três estiveram em São Paulo para divulgar o projeto, que tinha vínculo com o MST. Foi o primeiro contato que tive com o escritor português morto sexta-feira, 18, aos 87 anos. Dele só li "O Evangelho segundo Jesus Cristo", um texto que me surpreendeu pelo estilo e pela ousadia. Não li mais nada desde então, afora alguns escritos na imprensa esporádicos. Tenho em minha estante "Ensaio Sobre a Cegueira", e também o DVD com o filme dirigido pelo Fernando Meirelles, mas ainda não os apreciei. Confesso que a leitura é complicada, é preciso às vezes reler os imensos parágrafos para se ter ideia do conteúdo, mas achei o "Evangelho" espetacular. Fica o desafio de mergulhar no universo desse escritor tão peculiar para, no mínimo, entender sua ótica do mundo e, quem sabe, apreender sua importância, que, pela repercussão de sua morte, era enorme.

A seguir, um texto de Saramago:

A mentalidade antiga se formou em uma grande superfície que se chamava catedral;
agora se forma em outra grande superfície que se chama Centro Comercial.
O Centro Comercial não é só a nova igreja, a nova catedral, é também a nova Universidade.
O Centro Comercial ocupa um espaço importante na formação da mentalidade humana.
Acabou-se a praça, o jardim ou a rua como espaço público e de intercâmbio.
O Centro Comercial é o único espaço seguro e o que cria a nova mentalidade.
Uma nova mentalidade temerosa de ser excluída, temerosa da expulsão do paraíso do consumo e por extensão da catedral das compras.
E agora o que temos? A crise.
Será que vamos voltar a praça ou a Universidade? A filosofia?

José Saramago

Sobre Copa - Não costumo escrever sobre esportes, porque não é minha atividade predileta na vida, todos que me conhecem sabem. Mas estou, por falta mesmo do que fazer, assistindo a vários jogos e, mesmo não entendendo nada do que está rolando ali, tenho me divertido. Copa é legal por isso: até quem não entende e não gosta de futebol acaba entrando no clima e quiçá torcendo. Vou fazer uma confissão: torci mais para ver meu palpite nos bolões acertados do que para a vitória do time do Dunga. Rá, rá, rá! Deu certo, mas tenho a meu favor que torci pelas vitórias até agora havidas, ao passo que muita gente vem torcendo contra. Tudo bem, direito delas. Acho que a seleção terá uma boa campanha e até aposto que traz o caneco. Pelo menos é o que diz minha intuição, já que de táticas e quetais não entendo nadinha. A única coisa chata é a baderna que se faz antes, durante e depois dos jogos. Fico até com medo de sair às ruas. E a tal corneta, que insistem em chamar de vuvuzela, tem me tirado o sono dia após dia, como era previsível. Fazer o quê! Parece que o cidadão precisa de um estímulo desses para extravasar suas angústias que o cotidiano traz, uma alegria fugaz, como diria Chico a respeito do carnaval, outra festa de imensa falta de respeito ao próximo. Posso parecer chato, mas acho que sou mesmo. Pão que é bom...


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Arraiá no Pontalete

Fim de semana com festa junina no Pontalete, distrito de Três Pontas, Minas Gerais. Fazia tempo não participava de uma festa tão autêntica. Aliás, fazia tempo que não participava de um festejo junino nenhum. Acho que desde os anos 80, quando dançava quadrilha na paróquia de Vila Palmares, em Santo André. Foi muito interessante, com direito a todos os itens alusivos à data, véspera de Santo Antônio. Teve casamento caipira - quadrilha -, fogueira, pratos típicos e regionais, como o delicioso cigarrete, quentão, vinho quente, bandeirolas enfeitando o arraiá. E figuras da região que tornaram o evento bem peculiar. Eu fui à caráter, obra de dona Ana e Isabela (ao meu lado na foto, junto de Leisinho, Márcia e Gustavo). Dancei um pouco, o que minha pouca familiaridade com os passos permitiram, mas não dei vexame, até porque parece que o gozado é dançar errado mesmo. Foi um fim de semana em um lugar bem gostoso, às margens da represa de Furnas, cercado de fazendas de café. Aliás, antes da quermesse, comemos um belo bife com salada na roça do Leisinho, simpático e atencioso como sempre. Apanhei laranja no pé e pisei na terra, coisa meio rara nas cidadonas em que vivo e trabalho. Como sempre a impressão de que viver no interior tem outro sabor, outro ritmo. Não sei se me adaptaria, criado no asfalto que fui. Mas tive na infância grandes vivências com esse clima. O Grande ABC, nos anos 60, era quase interior, tanto que quando fui morar na capital parecia outro mundo, com suas coca-colas, hambúrgueres, sorvetes Kibon e carros para todo lado. Apaixonei-me por automóveis na época. Vivia olhando os estacionados, decorando as marcas, a velocidade máxima que atingiam, os detalhes internos. Pai, na época, teve sempre fuscas, e, fora os poucos modelos antigões que viviam nas ruas de minha São Caetano, não conhecia muitos outros. Também fiquei fascinado por ônibus, coisa esquistia... Brincava de dirigir um em um sofá velho que tinha em casa, ou fazia trajetos com tijolos na areia na obra da casa de meu pai em Santo André. Mas, claro, não segui essa carreira. Era fantasia mesmo. Achava a profissão de motorista de ônibus algo meio mágico, uma responsabilidade grande dirigir um monstro daqueles, cheio de gente, pelas artérias da cidade e dos bairros. Mas além de morar em cidades que ainda guardavam algum aspecto de interior, ainda ia sempre a chácaras e sítios de parentes e adorava ver as árvores, os bichos, provar as comidas feitas na lenha, comer frutas no pé, nadar nas lagoas. Tive, por assim dizer, uma infância quase rural, com quintal com plantas, flores, árvores frutíferas, galinhas, até um porco e um cavalo chegaram a habitar o terreno, proeza de meu tio, já que naquele terreno que até hoje mantemos viviam quatro famílias. Bem diferente da realidade da garotada das cidades de hoje. Ir a um lugar desses me remete a esse tempo e à infância, e me permito uma certa nostalgia, mas nada que me motive a mudar de ares, porque, como disse, não sei se me adaptaria a uma vida no campo, apesar de hoje a zona rural estar tão desenvolvida e com acesso à tecnologia mais moderna como toda área urbana. Celular, internet, TV a cabo são comuns. Mas sei lá... na semana passada estivemos em Bragança Paulista no sítio de amigos de Isabela e confesso que o galo cantando desde a 1 da manhã não foi agradável, apesar de que o barulho dos caminhões-cegonha de meu bairro o tempo todo também não sejam bons sons para se ouvir dormindo. Mas olhar aquele verde todo e conviver com pessoas simples, que têm uma visão tão diferente do mundo é gratificante e um tônus para a alma, que volta bem mais leve para a selva do asfalto e seus bichos bem mais perigosos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

É tempo de Copa

Na próxima semana, como o mundo sabe, começa a Copa do Mundo de Futebol na África do Sul. Não sou o sujeito mais qualificado para falar de futebol ou de qualquer outro esporte, mas sinto necessidade de tecer algumas linhas a respeito desse evento que mobilizará boa parte da população do planeta Terra durante 30 dias. A preocupação - e torcida - é se o Brasil fará bonito e trará o caneco, em sua sexta vitória neste campeonato. Aí o clima é de ufanismo exacerbado. O verde e o amarelo redundam nas janelas das casas, nas antenas dos carros e em todos, ou quase todos, comerciais da mídia. Não entro nesse clima. Assisto à Copa, torço, vibro, afinal, o espírito coletivo ajuda, e não vou dar uma de carrancudo e do-contra. Lembro-me que no tetra, em 1994, fiquei até sem voz de tanto que gritei. Isabela era uma menininha de 2 anos e vibrou tanto quanto a gente. Fomos à rua de carro para comemorar e a festa era geral. Mas perigosa, com muita gente encachaçada fazendo estripulias. A de 1970 eu me lembro bem. Dei nenhuma bola a ela, fiquei aprendendo a empinar - e perder - uma pipa. Mas depois papai nos levou ao centro de São Caetano, onde a galera lotou as ruas e até divertiu-se no espelho d'água da prefeitura, então ainda na avenida Goiás. Em 2002, não me lembro de quase nada, curiosamente. Só me recordo que assisti aos jogos no salão de festas da casa de minha filha, com uma turma bem animada. Então é assim: curto ver os jogos do Brasil, sofro, roo as unhas, mas não consigo me ufanar, porque isso não resolve os problemas do país, apenas enche os bolsos de uma parcela significativa de pessoas. Aliás, todo mundo resolve aproveitar o momento para faturar algum e é interessante como se vê "criatividade" por aí. Qualquer comercial, de qualquer coisa, bota o espírito da Copa no meio, mesmo que não tenha nada a ver com o negócio, caso de uma propaganda de uma marca coreana de veículos. O comercial dela relativo ao campeonato é tão desproposital que não se atina para seu objetivo. Será que comprar um carro da montadora significa estar em dia com a obrigação civil de torcer? Concordo que anunciar televisores é coerente, mas forçar a barra até queima o filme do produto. Mas o que realmente me deixa indignado é ver as emissoras de TV - aparentemente todas - venderem um clima de festa que realmente não acho que precisa. Assisti ao jogo amistoso entre a seleção do Dunga e a do Zimbábue, anteontem, mas vi a imagem na TV e o áudio de uma rádio. É incrível: o locutor não narrava um minuto de jogo sem outros dois ou três de anúncios. É de dar raiva. Na TV não é diferente: é comercial toda hora, seja declamado pelo narrador seja nas placas por todo o estádio e as inscrições nos uniformes de todos. De onde se conclui o óbvio: Copa é um grande negócio, e é por essas e outras que meu espírito não se enche de orgulho com esse evento tão popular e tão rico.