O Barquinho Cultural

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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vizinhos indesejáveis

Foto: Raul Machado (site SRZD)
Desde meus 13 anos que venho convivendo com o problema de morar ao lado ou perto de vizinhos inoportunos, que se acham no direito de perturbar o sossego dos outros impunemente. É o fenômeno do adensamento urbano, que põe um monte de gente em espaços exíguos e faz da convivência algo meio complicado. Tivesse eu recursos moraria em uma ilha deserta, ou em palacete protegido por um terreno imenso, que afastaria os barulhos das cercanias. Mas meus parcos rendimentos me permitem no máximo instalar vidros antirruído nas janelas. É uma opção a estudar.

Quando nos mudamos para Santo André, em 1974, na casa que meu pai construiu quase com as próprias mãos em terreno que sua mãe comprara assim que voltou do interior de São Paulo, ganhamos de presente um vizinho que promovia cultos de umbanda toda sexta-feira à noite, e o batuque rolava até alta madrugada. Não foram poucas vezes que o velho Chico chamou a polícia e nem menos as que ele próprio foi tomar satisfação do seu Brás, o dono do lugar e pai-de-santo que promovia a "baderna". Para piorar, aos domingos, logo cedo, a igreja católica em frente começava a "tocar" os sinos (na verdade, era um disco com sons de carrilhões, já que o templo não tinha campanário). Às 18h, a coisa se repetia.

Casado, fui morar em São Bernardo do Campo, em um bairro pouco afastado do centro, bem aprazível. Mas logo em seguida foi aberto um boteco que à noite reunia um monte de motoqueiros e jovens motorizados que gostavam de ligar um som bem alto e ficar na algazarra horas a fio. Com a Isabela pequena em casa, a coisa era difícil. Queixas da vizinhança não adiantaram, e as noitadas acontecem até hoje. Por que será que o poder público não dá atenção a esses delitos, preferindo centrar fogo em nossos deslizes no trânsito apenas?

Depois, separado, fui morar em outro bairro da mesma cidade. E aí a encrenca era um pátio de veículos onde as transportadoras (donas das famosas "cegonhas") deixavam os veículos antes de os levar para toda parte do país ou ao porto de Santos. No caso nem era o barulho, mas o trânsito daquelas carretas na via de acesso ao meu condomínio tornava o ir e vir um tormento diário. E mais: pouco acima do prédio, uma oficina que atende às empresas, esta sim, fazia um barulho infernal de marreta no aço, serra, furadeira e sei lá mais que sons desagradáveis que acabavam com o sossego.

Morei em seguida um tempo no Jabaquara, enquanto meu apartamento novo não era entregue, bem vizinho ao aeroporto de Congonhas. O som dos aviões e suas turbinas malucas o tempo todo impedia que se visse (e entendesse) algo que se estava vendo na TV ou se ouvisse uma música que se tentava escutar. Ler, então, era um exercício de paciência, inúmeras as vezes que era necessário reler o que acabava de ler porque o raciocínio tinha sido interrompido por nova chegada de aeronave.

Agora, aqui na capital paulista, além dos vizinhos de prédio que, insatisfeitos com o que acabaram de comprar, vivem em obras, tenho bem em frente a minha janela a escola de samba Mocidade Alegre. Seus ensaios e festas são para pôr à prova o nível de tolerância de qualquer cidadão de bem. O baticum começa logo após sair o resultado da apuração do carnaval. Claro, acabado o desfile do ano, é hora de se pensar no do ano seguinte, pois a festa pagã, de tanta fama aqui e no mundo, não pode parar. Incrível é a voz do tal puxador de samba da escola, potente a tal ponto que nem precisaria de microfone, amplificador e caixas acústicas. Mas o sacripanta faz questão de usar o equipamento e o faz no volume máximo, talvez porque os foliões que ali estão sejam surdos de tanto frequentar o ambiente. Mas nós, vizinhos, não somos. E sofremos.

Morar bem realmente é privilégio de poucos. A solução, em meu caso - enquanto não coto as tais janelas indevassáveis -, é deixar o volume do que estou ouvindo bem alto e dormir com fones nos ouvidos, apreciando uma boa música ou programas de rádio. O problema é que posso sofrer precocemente de problemas auditivos (já percebo uma diferença entre a audição do ouvido direto e o do esquerdo).

Mas garanto que não tenho absolutamente nada a ver com o incêndio no barracão desta escola, embaixo do viaduto Pompeia, ontem (09/01/12), que destruiu algumas de suas alegorias...

Reparação - Quero reparar uma injustiça cometida em meu último post (Decepção). Apesar do infortúnio por que passei no revéillon, minha virada de ano foi ótima, com minha família, irmãs, cunhado e sua mãe, sobrinhos, sobrinhos-netos (entre os quais a pequena Nathália, que vem se desenvolvendo a contento, graças a Deus). Depois do Natal também perfeito com minha filha e sua família, só posso agradecer ter gente tão boa ao meu lado, o que apequena ainda mais o episódio chato que me aconteceu.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Decepção

"Eu não acredito nas pessoas, eu acredito nas evidências. Pessoas mentem, evidências não!" (Francisco Cembranelli, promotor de Justiça no Estado de São Paulo)

2012 começou péssimo para mim. E eu que esperava que, por ser ano par, as coisas melhorariam um pouquinho em relação ao anterior. É que sempre me acontecem fatos bons em anos pares, não sei bem por quê,  coisas da metafísica. O fato é que o réveillon já prenunciou que este 2012 bissexto pode não ser tão alvissareiro quanto eu imaginava. De bom princípio, o que ganhei foi uma tremenda decepção, uma traição profunda, um balde de água gelada bem na moleira, uma pisada na bola inesquecível. E o pior é que ainda me pus a acreditar que eu podia estar errado e relevei os fatos. Mas a verdade sempre triunfa e o acaso trabalha para as coisas se colocarem em seus devidos lugares.

Não quero perder a fé na humanidade, como disse em mensagens de feliz ano-novo que mandei a pessoas queridas - elas, sim, que dão alento à minha vida. Mas acho que está cada vez mais difícil se acreditar nas pessoas, nas suas boas intenções, na retidão de seus caracteres, na verdade de suas ações e sentimentos. Infelizmente, há pessoas que conseguem, com ardis hábeis, iludir o mais experiente dos seres humanos (o que decididamente não sou). Artimanhas bem urdidas, argumentos irrefutáveis, estratégias bem pensadas para enganar - ou pode ser mesmo uma habilidade nata para fazer o mal parecendo estar realizando o bem.

Cuidado, alerto aos amigos. Pessoas são o diabo, sempre o interesse delas estará à frente, não nos podemos iludir com benfazejas intenções, quando no fundo o que se pretende é extirpar algo de você, de que dimensão for, não importa. A quem nada tem - ou julga merecer mais do que possui -, escrúpulo às vezes é artigo raro. Caí na armadilha, fazer o que: olhar para frente, absorver a experiência e seguir em frente, talvez se preparando para as consequências que possam vir.

Ontem (05/01), li um post no Facebook de uma colega radialista que menciona algo semelhante, sobre uma decepção sofrida apesar de sua percepção a alertar que havia algo de estranho no ar. E repito aqui o comentário que lhe fiz: precisamos sim prestar atenção à nossa intuição. A gente não é totalmente burra, é fácil juntar os pontos, conectar os indícios e chegar a uma conclusão, ou, ainda em princípio, uma suspeita. Tudo bem que a Justiça consagrou o benefício da dúvida, mas quando as evidências começam a se multiplicar, os equívocos e mentiras se somam em progressão geométrica, o sinal vermelho acende. Mas, a mente trabalha em um ritmo e o coração em outro. E essa falta de sintonia entorpece a razão e faz a emoção aflorar e se evidenciar.

Não gosto de ser um ser racional total, gosto de emoções fortes, de me arriscar às vezes, de dar algum tempero a essa vida por tantas vezes chata, insossa que somos obrigados a levar. Mas vejo que, diante dessa experiência - e de outras tantas passadas -, é necessário um pouco mais de frieza na análise, de pé atrás no relacionamento com as pessoas. É próprio da vida, desde que a Humanidade se instalou no planeta, viver o perigo, seja ele vindo da natureza, seja dos membros da mesma espécie (não sei qual o pior). O problema é quando se precisa se defender de uma ameaça velada, dissimulada, disfarçada. Porque os inimigos verdadeiros mostram suas intenções à luz do dia e assim se consegue se preparar para a defesa ou o ataque. Mas a maldade travestida de bondade é complicada de se perceber; quando se vê, já se está envolto tanto que não há mais saída, a não ser desaparecer.

Fui vítima por um bom tempo de uma pessoa sórdida que agora não teve como negar o óbvio, como tantas outras vezes fez em momentos em que a contradição, a abjeção, o aviltamento se mostraram na minha cara e eu, tolo, inepto para perceber as coisas elementares da ação vil, acreditei que meus olhos estavam enganados, minha inteligência me pregava uma peça, meu instinto de sobrevivência poderia estar exagerando. Não, desta vez esse embotamento não será possível, há prova material, pública (sinal de que mesmo as mentes mais psicóticas não são tão inteligentes assim como se crê). A máscara finalmente caiu.

A mim me resta esquecer a pessoa, não o episódio, que este deve estar sempre bem fresco na memória para que não me deixe enganar novamente, lamentavelmente vai embutir em minha mente a dúvida, a apreensão, a descrença, o ceticismo, talvez o niilismo. E confiar em alguém será um exercício mais complicado, quem sabe. 

Mas, como de tudo se tira uma lição, imagino que deste acontecimento o ensinamento é que a gente não pode se dar tanto, se doar demais; é necessário se preservar, manter uma certa margem de manobra, e ter um plano de fuga bem elaborado para a emergência que se fizer necessária. E esse plano envolve principalmente o desapego, o livrar-se daquilo que lhe é nocivo, mesmo que por vezes prazeroso. Afinal, este é o mote de tudo que vicia: a expectativa de um efêmero benefício, mas a um alto custo.