O Barquinho Cultural

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quarta-feira, 27 de março de 2013

Limites são para serem superados


Gaby Andersen, Olimpíada de LA, 1984

Coincidência – ou não -, assisti recentemente a três filmes que abordam pessoas acometidas de males que lhes impedem de, por conta própria, se locomover, comer, se limpar, enfim, qualquer atividade que normalmente fazemos sozinhos. “Amor” (“Amour”, de Michael Haneke), “Intocáveis” (“Intouchables”, de Eric Toledano e Olivier Nakache) e “As Sessões” (“The Sessions”, de Ben Lewin). Em todos os três, as pessoas incapacitadas mantêm a dignidade, não querem ser vistas com pena nem tratadas como seres sem inteligência e discernimento.

Não estou defendendo a resignação, mas creio que enfrentar as adversidades da vida com coragem e determinação é uma boa dica para quem acha que é um coitado total e que o mundo todo conspira contra ele. Conheço pessoas que o tempo todo lamentam a má sorte, vivem às turras com tudo e todos, achando que as coisas ruins só acontecem com elas. Como menciona o palestrante Mauricio Louzada em seu livro “Pra Valer” (editora All Print, 2011, 3ª edição), “os problemas fazem parte da vida, mas ser vítima deles é uma questão de escolha”.

Impossível não se lembrar do físico britânico StephenHawking, portador, desde os 21 anos, de esclerose lateral amiotrófica, que lhe paralisa os movimentos do corpo, mas não as atividades cerebrais. É autor da frase: “Inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança”, o que encerra uma grande lição. Também podemos nos referir ao paralama Herbert Vianna, que há 12 anos ficou paraplégico e, após quase dois meses em coma, sobreviveu e sua recuperação foi tamanha que lhe permitiu voltar à atividade artística, apesar das limitações que adquiriu.

Mas há outros anônimos por aí que nos dão sempre uma lição de vida. Mostram que a força de vontade – a de viver, em primeiro lugar – supera os obstáculos que possam aparecer. E que, antes de se queixar, é bom avaliar se está dando o melhor de si. Não quero dar lição de moral, mas acho que uma atitude positiva diante da vida ajuda bastante, que o pão de hoje é uma dádiva e o de amanhã depende de nosso esforço e crença em nossa capacidade de obtê-lo.

A esses conhecidos que vivem rabugentos e se achando os mais injustiçados dos humanos, vivo dizendo que se lamentar não resolve os problemas, que o que conta é a maneira como os enfrentamos, sem perder o vigor. Mas uma hora cansa ver que minhas palavras de nada aliviam sua lástima. O que acontece é que mais dia menos dia acabarei me afastando deles, pois negativismo pega, e não quero ser um radar de energias ruins. Parece cruel, mas é assim.

sábado, 16 de março de 2013

A importância das atitudes

Com as amigas Cris, Eliana, Angélica e Lize (Century Flat Hotel)

Sempre disse que atitudes valem mais que palavras, estas porque se não acompanhadas daquelas pouco valor podem possuir. Mas ontem (15/03), ouvindo uma palestra sobre motivação, de Mauricio Louzada, entendi a verdade disso: de que adianta dizer aos seus queridos que os ama e não compartilhar com eles a vida, os momentos, não estar presente em episódios importantes da vida?

Coincidência – ou não -, nesses últimos dias tenho revisto amigos de muito tempo, que as circunstâncias da vida nos fizeram afastar-nos. Foi lindo, como já mencionei em posts anteriores. Dizer nas redes sociais ou por meio de um torpedo que estamos com saudade é bom, mas reencontrá-los é muito mais gostoso, faz a gente sentir que aquilo que foi construído durante anos de amizade continua dentro de nós.

O palestrante falou da importância de se reprogramar mentalmente para o sucesso, de questionar seus próprios pensamentos negativos para torná-los positivos, de estabelecer metas plausíveis e ir à luta, focado nesse objetivo. Mas o interessante é que, segundo suas palavras, sucesso não quer dizer, necessariamente, alcançar os bens materiais desejados, o status social cobiçado. Sucesso, na concepção do palestrante, é estar feliz, alcançar a felicidade.

Concordo com ele. E ser feliz, para mim, tem mais a ver com estar bem com as pessoas queridas, poder desfrutar de momentos com elas, de saber que não se está sozinho nesse mundo imenso e obscuro. Muitas celebridades, reconhecidas por multidões, talvez se sintam solitárias; filmes diversos tratam disso. Multimilionários  há que não têm tempo de ver os filhos crescerem, aprenderem as letras, descobrirem o mundo; enfim, não se trata da velha máxima de que dinheiro e fama não trazem a felicidade, mas de perceber que uns sem a outra não faz muito sentido.

Após a palestra fomos a um bar para prolongar o momento gostoso de estar junto. Quando a gente convivia mais frequentemente, o bar era um ponto de relax, quando podíamos deixar as discussões sobre o que fazer para mudar o mundo de lado e nos entregarmos a assuntos mais amenos, como o último disco do Chico, o filme que entrou em cartaz e tínhamos que ver, os amores frustrados que vivíamos, os planos para o futuro, as encrencas com os pais, enfim, os papos próprios de jovens na casa do 15 aos 20.

Mas este bar escolhido não permite essa interação. Uma banda tocando no volume máximo, depois, no intervalo, um som na mesma intensidade. Impossível conversar se não aos gritos, o que impede qualquer diálogo sensato. Bem, é um lugar para isso mesmo, ouvir música alta, tomar drinques, paquerar, beijar e... Sei lá. É diversão, e é importante nos divertirmos, claro. Mas o mais importante é que os contatos foram refeitos e não faltarão oportunidades de novos encontros, papos intensos e desfrutar da felicidade que muitas palavras não conseguem exprimir.

terça-feira, 12 de março de 2013

A propósito de papas e conclaves

Foto: Johannes Eisele/AFP


Nesses dias de reencontro com amigas que havia anos não tinha contato, uma reflexão me vem à cabeça, e tem a ver com essa eleição que hoje se iniciou para o próximo papa da Igreja Católica. Não professo essa religião, nem batizado e crismado sou; primeira comunhão a tive já aos 19 anos, e sem ter passado pelos procedimentos que me parecem necessários para ingerir o corpo e o sangue do Cristo. Porque minha família é de origem protestante, não esses neopentecostais de agora, que conseguiram até introduzir um membro cheio de preconceitos em uma comissão importante da Câmara dos Deputados. O fato é que, nessa igreja de meus pais, não se batiza recém-nascidos, e, quando atingi a idade de o ser, eles tinham saído da religião, não por vontade própria, mas por algo que eu nunca soube direito. Enfim: sou pagão. Vou para o inferno ao morrer, dizem.

Mas, no começo de 1980, fui atraído à paróquia de meu bairro para participar de um grupo de jovens que se reunia para discutir religião, ensaiar para o coral da missa e fazer algum trabalho pastoral junto às favelas da região. Confesso que o argumento que meu amigo usou para eu lá ir foi o de que havia muitas meninas bonitas participando. Eu, aos 19 anos, reco (para quem não sabe, o garoto que está prestando o serviço militar obrigatório), achei a ideia interessante e lá fui. Ele tocava violão e logo se tornou popular na comunidade (nome que dávamos ao grupo).

Para mim, foi uma virada total. Tinha, nesse tempo, algo de errado na mente, uma insatisfação com o rumo da vida, um passo em falso e cairia para um campo que nenhum pai sonhou em ver o filho seguir. Essa comunidade foi um tipo de redenção: encontrei lá pessoas que comungavam das mesmas expectativas, sonhos, frustrações, desejos de dar algum sentido à existência. E entender esse Deus que, na religião de meus pais e avós, era tão opressor, tão regulador, regrado, controlador...

Em pouco tempo houve eleição para a coordenação do grupo e me incentivaram a me candidatar. Foi a primeira (e única) vez que postulei a um “cargo” eletivo. Fiquei em segundo lugar e assumi a vice-coordenação do Juba (era esse o nome que deram à comunidade, sigla de “Juventude Unida Baseada no Amor”). Minhas tarefas eram, entre outras, escolher o tema de discussão da reunião semanal, procurar na Bíblia alguma passagem que tivesse a ver com o assunto, redigir a ata da reunião e substituir o coordenador em sua ausência.

Gostei da coisa. O grupo era acompanhado pelos seminaristas da paróquia, uma galerinha que lá se preparava para ser padre um dia, em um seminário meio fora do comum, organizado pelo pároco, um sujeito de origem francesa que tinha um trabalho junto aos moradores de favelas e seguia o que se denominou Teologia da Libertação, com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) atuando junto à população em um sentido de tornar a Igreja Católica mais voltada aos “oprimidos”, com a premissa de que foi a esse povo que Jesus se dirigia quando aqui esteve.

Até cheguei a cogitar a possibilidade de entrar nesse seminário, me tornar padre. Mas a paixão arrebatadora por uma menina linda do grupo frustrou meus planos. Não rendeu nada com a garota e a vocação acabou não se manifestando. E o resto é história.

O que importa aqui é o fato de eu ter, nesses últimos dias, me reencontrado com pessoas que participavam desse grupo naquela época, pessoas que fiquei muito tempo sem ver e ter notícias, e revê-los foi muito intenso, foi um resgate de uma pessoa que julgava esquecida lá dentro de mim, que perdeu um pouco da ilusão, da ingenuidade, dos sonhos. Que teve que encarar a realidade, sem desistir, contudo, de acreditar na possibilidade de o mundo ficar melhor, mais justo, mais igualitário.

Éramos fãs dos papas Paulo VI e João XXIII; este promoveu o Concílio Vaticano II, trazendo a Igreja para mais perto dos pobres, e aquele deu continuidade a esse trabalho (posso estar falando besteira, mas escrevo de memória, sem pesquisa; se alguém contestar e esclarecer, agradeço).

Depois de mais de um ano de atividades no Juba, resolvemos montar um grupo de teatro amador, o Tupi (Teatro Unido Popular Independente – gostávamos de meter “unidos” em tudo [rs]), para fazer um trabalho mais lúdico e provocar discussão junto aos expectadores. Montamos a peça “A Invasão”, de Dias Gomes, mas mudando o final, para melhor condizer com os fatos pós 31 de março de 1964. Levamos a montagem por um ano a favelas, comunidades de bairro, sindicatos, clubes, onde houvesse gente a fim de debater a realidade (!).

O grupo extinguiu-se com o surgimento do PT, o padre mudou sua postura e voltou à antiga prática católica de promover encontros de casais, catequização, grupos de estudos bíblicos e de corte e costura, enfim, largou um pouco a mão daquele trabalho social. E a Igreja também, com João Paulo II, seguiu esse rumo. Pouco depois, em 1985, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (coisa que remonta à Inquisição), Joseph Ratzinger, condenou ao silêncio o frei Leonardo Boff, um dos teóricos da Teologia da Libertação, por causa de seu livro “Igreja, Carisma e Poder”.  A Igreja Católica mudava, e Ratzinger, depois papa Bento XVI, parece que levou essa “nova” doutrina ao paroxismo. Ele que renunciou ao cargo no último dia de fevereiro deste ano.

Agora, os cardeais estão a escolher seu sucessor. Não tenho tido interesse em acompanhar o processo. Há muito deixei de me importar com os rumos dessa igreja, mas pelo que tenho ouvido e lido, essa religião continua distante dos tempos atuais, das questões fundamentais que importam ao seu rebanho, em nome, talvez, de igual opressão, regulação, regras e  controle da igreja de minha infância. Assim, fico com meu Deus, e a ele me dirijo sem intercessão de algum de seus pastores. Se me ouve, não sei. Mas imaginar que alguém zela por você em algum canto dá um certo conforto.

domingo, 10 de março de 2013

Sobre meninos e lobos


“Como se fossem arrastados pelas águas turvas do rio Mystic, três amigos se veem conduzidos de volta ao passado.” O livro de Dennis Lehane, filmado por Clint Eastwood, junta, 25 anos depois, três amigos por ocasião do assassinato da filha adolescente de um deles. É um filme incrível, o livro não li. Mas lembrei-me dele por causa do reencontro, ontem, de três amigos creio que 25 anos depois também da última vez que nos vimos. E o lobo tem tudo a ver.

Ontem, ainda, antes da reunião, um telefonema. Pessoa que há 30 anos não vejo. O passado vem me visitar. Passado por quê? O vivido é presente, porque forjou o que sou hoje. E um reencontro é, mais que um reviver, é um perceber que as pessoas que nos são caras assim o são independentemente do quanto nos afastamos. Um amigo o é sempre, basta um rever para perceber.

Saber o que andamos fazendo nesse tempo, relembrar o que vivemos, rir dos episódios engraçados que na época pareceram tão trágicos. Descobrir que o tempo não prejudicou o carinho mútuo, não apagou nem diminuiu o amor intenso. E ter a certeza de que outros encontros virão, projetos poderão ser tocados, e algo pode ser construído. O tempo é relativo.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A melhor profissão do mundo

Charge: Beck (http://controversasreportagem.blogspot.com.br)

Adoro a profissão que escolhi. E agradeço à minha professora de PIP (Programa de Informações Profissionais) do terceiro ano do ensino médio, de cujo nome infelizmente não me lembro, mas recordo que era uma garota motociclista muito linda e que fazia a imaginação adolescente voar, ter me dado a dica. A disciplina visava orientar os jovens na escolha do curso superior. Nem sei se há ainda algo assim nas escolas hoje. Mas naquele tempo havia.

Um dia, ela chamou um a um para uma conversa particular. Perguntou se eu já tinha escolhido o que fazer para o resto da vida. Eu não sabia. Já tivera algumas opções. Gostava das aulas de química no primeiro ano e pensei em seguir por aí. Mas depois tive aulas de edificações e desenhar plantas baixas me encantou e tendi para a engenharia civil. Mas no ano seguinte o governo mudou a grade curricular e o colégio voltou a ser mais de formação geral, sem especificar uma área determinada. Cheguei a cursar desenho mecânico no Senai e não segui em frente. Gostava de desenhar.

Como tinha dúvidas, a professora perguntou do que eu mais gostava. Escrever e ler, disse. E também me interessava por política, uma vez que militava em movimentos sociais e fazia teatro amador meio engajado. Ela, então, juntou as coordenadas e sugeriu jornalismo... Nunca tinha pensado nisso. E comecei a amadurecer a ideia.

Um dia, na paróquia de meu bairro, aparece a Sandra Passarinho, que era da TV Globo na época (não sei por onde ela anda hoje). Foi lá entrevistar o padre, que tinha um trabalho social junto aos moradores de favela reconhecido internacionalmente. Perguntei a ela sobre a profissão, o que estudar, coisas assim. Ela me disse que um jornalista tem que estudar sempre, ela mesmo nem era formada em jornalismo, o importante era estar por dentro do máximo possível de assuntos. Disse outras coisas, mas o fundamental e que se fixou em minhas lembranças foi isso.

Fiz a faculdade, me formei e, por sorte, entrei na área em seguida. E nela estou até hoje. Sem arrependimento. Apesar de tudo que se fala hoje a respeito de nossa profissão, considero o jornalismo fundamental, uma necessidade quase básica. O que falta discutir, talvez, seja apreender o que o consumidor de notícias quer, o que espera do meio de comunicação que acompanha.

Segui o conselho de Sandra e estudei o que pude, me interessando por  quase tudo (até futebol, rs). Porque não sei de outra profissão que lhe faz um dia ouvir um presidente da República (ouvi um vice, apenas, mas falei muito com um que o seria depois...),  no outro um executivo de uma grande empresa, no seguinte um sujeito que matou a família e foi ao cinema. Portanto, você vive situações no dia a dia das redações que quase sempre são inesperadas.

Outra sensação boa é, no dia seguinte, ver no ônibus, trem, metrô alguém lendo a matéria que você escreveu, ouvir comentários, ler as cartas enviadas à redação. De uma notinha de rodapé a uma reportagem de capa, tudo é válido. E ainda tem o fato de ficar na história, como registro de um tempo. Lembro-me, com um certo orgulho, confesso, de quando soube que um cara usou matérias minhas em sua tese de doutorado em economia.

Enfim, apesar de todo estresse que a profissão traz, de condições muitas vezes insuportáveis de trabalho, de remuneração nem sempre compensadora, não sei se saberia fazer outra coisa. De tudo que já fiz na vida, esta é a que me deu mais satisfação até hoje. E gostaria de nela continuar.