O Barquinho Cultural

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Agora, o Blog por Bloga e O Barquinho Cultural são parceiros. Compartilhamento de conteúdos, colaboração mútua, dicas e trocas de figurinhas serão as vantagens
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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Ela tem o dom: Juliana Lima

Ela era Gyulyana. Tinha 14 anos em 1997 e procurava um amor. Esse era o título de seu primeiro disco, e da música de abertura, “Procuro um Amor”. Pela leveza e emoção que transmite em suas canções, parece ter encontrado. Pelo menos o amor de seu fiel público ela alcançou. E me incluo nele.

Infelizmente, nós, pobres seus admiradores, não temos acesso a essa primeira obra, nem às duas seguintes, “Raios de Sol”, de 2002, ainda como Gyulyana, e “Tudo & Mais”, de 2004, já como Juliana Lima. Isso porque ela quer corrigir alguns detalhes técnicos dessas gravações antes de levar de volta ao mercado.

Mas temos “O Dom”, de 2007, e “Aquariana”, de 2013, aí para conferir a sua voz suave, a delicadeza de suas composições, os arranjos precisos, a emoção brotando de uma voz singular, um timbre que a diferencia e a identifica. Esses discos estão disponíveis nas apresentações que ela faz nos bares e casas de São Paulo e do ABC, em seu site, no i-Tunes e no SoundCloud.

Juliana cresceu ouvindo o pai, seu Elias, tocando violão em casa e, como toda criança, gostava de cantar, brincar de música... Mas ela tem o dom. Estudou instrumentos lá pelos dez anos. E, depois de uma apresentação na escola, um trabalho rotineiro que ela e seus amigos resolveram fazer em forma de show, alguém sensível compreendeu que ali estava bem mais do que uma simples diversão. Havia talento...

Assim nasceu, em Santo André, a cantora e compositora, agora autora de mais de 350 canções, cinco discos gravados, muitas outras ideias já transformadas em músicas, aguardando o momento certo para levar ao público.

Muito nova para sair em apresentações com a banda que integrou nesses verdes anos, parou um tempo com a música e foi trabalhar em uma ótica. Não durou um ano para que a música falasse mais alto e ela resolvesse que seria disso que faria sua vida. E não parou mais. Já são 17 anos de estrada, de palcos, e agora ganha o mundo. Com apresentações agendadas pela América do Sul e Central.

Estudou musicoterapia. Interessada em dominar todo o processo de criação, foi atrás de aprender a gravar suas obras, estudou gestão de projetos culturais e vai agora mexer com técnicas de estúdio. Enfim, quer ser senhora de sua produção.

Ouvi-la é mergulhar em um universo onírico, é ouvir falar de amor sem rancor, com algum sofrimento, mas sem o edulcorado falso dos que querem enganar a si e aos outros com a ilusão de que não se pode rimar amor e dor.

“Hoje eu quero devaneios, amanhã não sei”

“O Dom” é um disco espontâneo, que passeia por vários ritmos e estilos. A voz dela está cálida, forte, projeta e transmite algum sentimento preso que não se manifesta senão pelo cantar. As letras falam de coisas duras, de solidão, desamores... Coisas que só ela pode saber.

“Mais valeria ser louca / Por que a vida é tão corriqueira”.

“Teremos paz / ou seremos inconstantes?”

“O mundo anda tão complicado”,

“No vazio da casa sei que não estás”

“Morre um amor / Hoje e para sempre”

“Estou cercada por montanhas de concreto / Que impõem um veto em meu mirar”

“Esse mundo me assusta”

“Será que vale a pena / Viver sem existir”...

Mas há ternura em versos esculpidos nas pedras perenes do coração:

“O que faço para não me perder / Por esses passos?”

“Flores são belas / Mas é fria a mais bela das flores”

“Em meio à ventania parto”

“Olhe, já escureceu /Mas teu sorriso não sai da lembrança”...

E alguma revolta:

“Tô de saco cheio dessa massa de bananas”

“Estou farta das orgias / Não era essa a vida que eu queria”...

Até fechar com o recado e o pedido para a entrega total:

“Pensa em não fazer mais nada / Esquece a hora esquece tudo”.


“Percorri teu corpo com o meu”




Dois anos após o lançamento de “O Dom”, uma música dela, que não está nesses discos, entra na trilha de um curta-metragem, “Ópera de Arame”, uma produção da Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André. “Mesmo sem te ver”, a canção, traz uma interpretação arrebatadora, um arranjo com cordas que traz um clima que nos leva a mergulhar de cabeça e olhos fechados em uma paixão...

Mesmo sem te ver, decifrei teu corpo / num momento febril e louco / não pude conter / minha sede de te ter completamente / e entender perfeitamente / que palavras podem negar”.


“Ser feliz é um mar”

“Aquariana” é lançado seis anos depois de “O Dom”, e nos apresenta Juliana em uma fase de voos mais altos, como ela mesma define. A voz está mais cristalina, as músicas são mais alegres. O amor que procurava desde os 14 entrou em seu coração? O título remete ao seu signo zodiacal, caracterizado por pessoas “com a mente no futuro, desencanadas, que adoram a liberdade”.

Os temas não deixam de tratar de amor, mas amor vivido com alegria, que permite ver a felicidade em elementos simples como uma “brisa leve”, o “velejar nas ondas da imensidão”, na certeza de que “o amor chega no dia e na hora marcada”. Há espaço para lembrar da infância, do tempo em que ela “queria ser apenas uma menina sem ter que crescer”. E repete “O Dom”, também em espanhol: “Põe de lado / Pressas, medos e receios / Mas pare, pense, ouça e sinta”.

Cita nossas escritoras impagáveis: “Quero Adélia, Hilda e Clarice / Essas mulheres em mim”, e pergunta na faixa-título: “Será que há uma maneira de a rotina não virar tédio? / Ou uma chance de o tédio não sufocar a paixão?”.

Mas há a decisão de romper com o que não traz felicidade: “E a partir de agora eu pulo até mesmo do abismo / Até sentir a brisa do infinito”. Porque “enquanto não sonhava / Eu não era nada”, e, como sonho que se sonha junto não é sonho, é realidade, “Venha comigo e me dê a mão / Cante comigo mais esta canção”.

Volta ao mergulho na paixão, na certeza de que o amor não precisa razão: “Em ti vou me perder / Sem medo e sem pudor / E hoje sei que sem você / O céu já não tem cor”.


“Confie em mim”


“Aquariana” será registrado em DVD, com gravação marcada para o dia 31 de outubro, no Ton Ton Jazz (alameda dos Pamaris, 55, Moema, São Paulo). Quem quiser fazer parte dessa apresentação pode obter os ingressos em suas apresentações nas casas em que ela toca ou pelos telefones (11) 97258-1676 e (11) 2829-3935.

Juliana Lima toca com alguma frequência em lugares como o Bricabraque, S.A Clube, Forneria Itália, Benedita’s... É só acompanhar a agenda em seu site.

E ainda tem a nova proposta, o trio “Beijo de Moça”, com AnaWick e Cacá Molgora. As meninas levam o mais puro som regional, com xote e baião, em um formato que vem ganhando fãs a cada apresentação.

Aqui, a íntegra da entrevista que Juliana concedeu ao blog, em uma sexta-feira chuvosa, no charmoso bar e restaurante Benedita’s. Com direito a uma palhinha de uma canção inédita, “Bala de Canhão”, um toque de revolta por esse mundo violento (complicado?) e uma certa comodidade de todos nós. Sim, Juliana tem sangue na veias. E o dom de nos fazer chorar sem sentir dor...





Blog por Bloga – Como você se descobriu música, conte um pouco de seu início de carreira.

Juliana Lima - Quando fiz 10 anos comecei a estudar música numa escola próxima de casa, uma escola de bairro, fui estudar piano, mas acabei estudando órgão popular, paralelamente eu fui aprendendo a tocar o violão autodidata, vendo meu pai tocar, e aí, pelas aulas que eu tinha, a teoria foi fazendo sentido e eu acabei aprendendo a tocar o violão. Desde então não parei mais. Com dez, 12 anos eu comecei a compor e com 14 anos gravei o primeiro disco e nunca mais parei...

Bloga - Você gravou o primeiro disco aos 14 anos de maneira independente...

Juliana - Eu fiz uma apresentação na escola e de lá fiz uma entrevista em uma rádio, dessa rádio me levaram para um estúdio, gravei uma fita demo na época e um dos produtores do estúdio gostou das músicas e me convidou para gravar o primeiro disco. A gente gravou um disco independente e totalmente autoral, com 14 anos.

Bloga - Quer dizer eram composições suas, mas você aos 13, 14 anos o que você escrevia, o que lhe inspirava para fazer música, falava sobre o quê?

Juliana – Eu faço música sobre o cotidiano da vida das pessoas, eu lembro que na época tinha umas amigas e elas viviam suas histórias de primeiro amor, daqueles conflitos de adolescente e lembro que fiz uma música para contar a história de cada uma. A gente se reunia em festinhas e cantava as músicas, elas sabiam as letras de todas as músicas. Eu sempre que me impressionei com algo, alguma coisa me chamou muito a atenção sempre transformei isso em música, mas não de uma forma consciente. Quando eu via já estava fazendo a música sobre aquele determinado tema. Muitas coisas que eu vivi, mas muitas coisas que eu vi as pessoas viverem também. Coisas que eu assisti. Uma amiga uma vez tinha um grande amor que a família não aceitava, mas que ela amava o cara e ele teve um acidente e morreu, então foi um amor interrompido bruscamente. Fiz uma música para essas duas pessoas [“Espero”, do CD “Raios de Sol”, de 2002]. Enfim, eu falo sobre o cotidiano mesmo.

Bloga – O que você ouvia na sua infância, cresceu ouvindo o quê? O que acha que mais lhe influenciou em termos de estilo, de poética?

Juliana – Eu cresci escutando essas referências que lhe falei, a música popular brasileira principalmente. Em casa sempre rolou Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Lulu Santos, Rita Lee, Roberto Carlos, enfim, a música brasileira como um todo. Mas quando eu cresci um pouco mais, quando fui fazer faculdade (musicoterapia) entrei em contato com uma música brasileira mais antiga, fui pesquisar como nasceu o samba e me apaixonei por Noel, Cartola, Lupicínio Rodrigues, gosto muito disso, até tenho um pouco disso no meu repertório também. Mas no geral o que sempre me fascinou foi a música brasileira, a diversidade da música brasileira, a música do Nordeste, a música do Luiz Gonzaga.

Bloga – Eu percebo que seus discos têm bastante variações de ritmos, você gosta de mexer com um pouquinho de tudo...

Juliana – Exatamente. É porque, enfim, o Brasil é um país multicultural, a gente tem muita coisa boa e eu acabo passeando um pouco por cada uma dessas coisas com as quais tive contato.

Bloga – Quer dizer você quer passar uma mensagem assim de tranquilidade... Suas letras são bem suaves. Você tem uma visão de mundo assim mais suave, intimista, romântica, por que não?

Juliana – Sim, mas eu tenho algumas canções de protesto também, não muitas, mas tem...

Bloga – Aquela que rasga a identidade (“Boa Sorte”, dela e de Del Cestal, do CD “O Dom”)...

Juliana – É, sim, o protesto que eu faço é da época que estou vivendo, então a gente tem uma inquietação com a sociedade, com o comodismo das pessoas, com o conformismo das pessoas em relação à política, à educação, a tudo... Tem uma música que eu não gravei, mas pretendo gravar, que chama “Bala de Canhão”, que eu fiz [em parceria com Talita Lopes] no dia que roubaram meu carro. Era um carrinho velho, tinham carros zero na rua e roubaram o meu! Eu fiquei muito revoltada e a forma que eu usei para canalizar aquela revolta foi uma música. E ela fala sobre essa fragilidade da sociedade, de você... Vou tocar um pedacinho pra você entender:

‘É melhor pagar o cara que não é dono da rua
Do que levarem o seu carro, estupidez humana, realidade crua
Eles vêm como raio com seus ferros, covardes levam sua carteira
Sequestram seu filho, assombram a cidade sem piedade
Põe Car System, aciona o alarme, deixa o seguro pago
Sobe o vidro, aperta a trava, põe G5 ou blindado
Todos parecem estar à beira da loucura
Justiça lenta e fraca e eu não vejo a cura
Ninguém está livre dessa escravidão
Não entrega o que é teu
Pra ver se não leva bem na cara
Bala de canhão’


Bloga – Muito boa..

Juliana – Então é mais retratar o que se vive mesmo, a ideia é essa.

Bloga – Você acha que as pessoas estão muito acomodadas, conformadas, não vale a pena lutar?

Juliana – O Brasil é um país que, pelo menos hoje, as pessoas vivem meio que, não sei se egoisticamente falando, elas não estão contentes, mas também não fazem nada para mudar. É um país que precisava se politizar mais, ter mais consciência de seus deveres e seus direitos. Falta isso: atitude ao povo brasileiro. Teve o ano passado as manifestações, mas muita gente não sabia muito bem o que estava fazendo, houve uma manipulação de mídia muito grande. Acho que precisaria de muito mais. Agora este ano, por exemplo, com as eleições seria um momento de protestar e realmente fazer alguma coisa... Quem sou eu... E também nem tem tantas opções assim...  o buraco é mais embaixo.

Bloga –  E como você vê qual é o papel do artista nesse complexo cenário todo? É só levar a arte?

Juliana – O artista em toda a história da humanidade sempre refletiu a sociedade da qual ele foi gerado. Na época da ditadura a gente tanta música maravilhosa no Brasil, mas porque o período instigava isso dos artistas. Você até mencionou que eu tenho uma coisa mais linda, poética, romântica...

Bloga - ... suave...

Juliana - ...suave, mas talvez por refletir esse conformismo da minha geração, não que eu não tenha consciência do que está acontecendo, mas a minha é uma geração que pouco lutou, talvez isso se reflita na música, na arte que a gente faz. Mas eu tenho bastante consciência de que as coisas poderiam melhorar bastante, mas isso só depende de nós, né?

Bloga – Quais são seus planos? Vai gravar agora o DVD do “Aquariana”...

Juliana – A gente vai gravar o DVD no dia 31 de outubro no Ton Ton Jazz. Agora em novembro a gente faz uma primeira miniturnê fora do Brasil que vai ser entre La Plata, Buenos Aires e Montevidéu, com o projeto “Aquariana”...

Bloga – Você já montou a banda, a equipe?

Juliana – A gente vai fazer apresentações intimistas... No começo do ano eu recebi uma cantora argentina, a Gisela Magri, e ela tem um projeto que mistura samba com tango, e a produtora que trouxe ela me convidou para fazer esses shows lá e a gente vai levar o projeto “Aquariana” para esses palcos. Ano que vem, em março, vou participar de um festival chamado “Cantaré”, um festival em prol de crianças com fome no mundo. Vão participar 30 artistas do mundo todo, de alguns países, e a gente vai fazer sete apresentações pela América Central: Jamaica, República Dominicana, Ilhas Virgens e mais alguns outros países. Todo dinheiro que for arrecadado neste festival vai ser doado para uma associação que alimenta crianças no mundo, crianças com fome no mundo. A gente tem esse projeto de sair espalhando música por onde passar.

Bloga – Aqui em São Paulo você toca em alguns bares...

Juliana – Em São Paulo tem um circuito de lugares que a gente toca, de casas. Têm os festivais que estamos sempre indo. Agora a gente vai fazer em outubro um festival em Jundiaí... A gente não para, está sempre em movimento. Se você for ver eu tenho há alguns anos todo mês a gente faz uma média de 15, 20 shows todo mês...

Bloga – E tem um projeto de um novo disco, ou ainda vai trabalhar bastante o “Aquariana”?

Juliana – Vamos trabalhar o “Aquariana”, mas, paralelamente... projeto de gravar disco a gente sempre tem e canções pra isso também. Talvez a gente faça para o ano que vem um registro do projeto “Beijo de Moça”, que está tendo uma aceitação muito bacana do público. É um trio formado por mim, na voz e violão, a Ana Wick nos vocais e percussão e a Cacá Molgora também na percussão. É um projeto de música regional, a gente canta e toca xote e baião, coisas de Luiz Gonzaga, Alceu Valença. Em todo lugar que a gente leva esse projeto está sendo muito bem aceito, então talvez a gente faça um registro em disco para esse projeto.

Vídeos de Juliana Lima disponíveis no YouTube. Aqui, dois para aguçar a vontade:

Trio Beijo de Moça:





Videoclipe "O Dom"



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Catarina Dee Jah: vem de Olinda a surpresa!

“Cata, cata, cata, cata, cata, Catarina / Eu bem que te falei pra não bulir com estricnina” (Amufinada)

Ela vem de Olinda. A surpresa. Frevo? Caboclinho? Não, mas sim! É isso, não há como não notar nas entrelinhas, entretons, algum sinal. Influência. Mas, só que não. A fonte dela é o mundo. Lusamérica latim em pó. Mangue beat de Chico Science e Mundo Livre S/A. É pop, mas também é coco, é cumbia, xote, reggae, e brega. Sim!

Ao ouvi-la pela primeira vez, na Festa da Shana, na Saravejo, a mistura bem misturada, as bases criativas, a postura... Senhora de si. Bradando contra o feminazi. Ela canta, aí faz a festa. Traz vinis (sim, em plena era i-tudo, ela vem com seus bolachões) de todo o Norte, todo o Nordeste, relembra Eliana Pittman e seu carimbó, sirimbó.

Traz de Olinda a surpresa. Pra nosso deleite, nós, paulistanos, cansados da mesmice, da mediana média que sem medida nos mede qual medíocres. Ela não. Traz alegria, essa alegria quente, regada a caldinho de codorna. Com cachaça. Mas não se presta a ser apenas mulher tira-gosto. Postura.
Catarina Dee Jah, ou MC Ririca, ou Riddin... Ela agora está de vez em São Paulo. Vem cavar seu espaço, que já o tem.

A agenda está boa. Apresenta-se agora três vezes no evento da Prefeitura de São Paulo Mês da Cultura Independente. Toca em outros points também. É ir ver, ouvir, dançar e pirar.
Catarina, somsual. Vulvas em fúria. Agora, take it easy. Se você a incomodar, ela manda você se ferrar e tomar no ...

Quer saber a biografia dela? Dê um Google, veja seu charmoso site. Lá tem o Mulher Cromaqui – seu primeiro trabalho (em sua definição, ‘um trocadilho, uma ironia com toda essa exaltação e frenesi às mulheres frutas, as aberrações do mundo onde tudo é manipulável e efêmero’) -  para baixar. Aqui, a entrevista que ela, carinhosamente, concedeu ao blog. Vamos conhecer um pouquinho de seu pensamento, de seus planos.

BLOG POR BLOGA - Você está se estabelecendo de vez em SP? Quais suas expectativas em relação à cidade?

CATARINA DEE JAH – Eu já conheço a cidade, desde 1998 que eu venho pra cá, uma cidade que eu sinto que as pessoas... a praia do paulista é a cultura, e eu trabalho com cultura, então eu sinto que há um feed back maravilhoso aqui e, além de tudo, uma valorização do trabalho. Se você vem focado em trabalhar de maneira honesta você se desenvolve. A cidade te dá essa oportunidade. Eu vim de uma cidade menor, uma cidade pequena, de muro baixo, onde o profissionalismo não fala tão alto, na verdade eu acho que as relações são mais importantes do que o profissionalismo, e o que eu gosto em São Paulo é que ele sempre me dá um choque, uma maturidade muito boa, eu dou uma crescida muito grande. Tem muitas oportunidades aqui, eu estou a fim disso neste momento.

BLOGA - O que pretende fazer aqui: mais festas, discotecando e cantando? Promover seu CD?

CATARINA – Eu lancei um disco independente (Mulher Cromaqui), e foi um disco que foi bem recebido, e eu acho bem louco porque os dados são bem díspares assim, um disco que teve 13 mil downloads nos primeiros seis meses, eu não avaliei ainda com o cara que agenciou o site para saber como é que está, mas foi um disco lançado totalmente independente e atingiu essa casa dos 13 mil downloads em seis meses, eu acho louvável, você, sem pagar uma estrutura de assessoria de imprensa e coisa e tal. E aí o que eu faço? Não estava conseguindo trabalhar lá em Pernambuco, porque é uma cidade que é distante desse eixo, e os festivais estão muito morgados, no Brasil os editais estão muito caretas, então eu resolvi vir pra cá e refazer esse começo que eu vivenciei, que era da Milícia dos Radicais Livres, que era uma milícia musical, músicos que tocam comigo, e é sempre um recomeço você readaptar as músicas, sair um pouco dessa zona de conforto. Além desse formato com a banda, eu estou com um formato digital, que é a MC Ririca, que é mais baile e bases eletrônicas, e tem o Riddin, que eu eu chamo de ‘Riddinculous’. São bases que eu produzi com amigos da Argentina, de alguns selos de lá, também são produzidos com um cara do Equador aqui de São Paulo, e algumas bases que eu reeditei com meu DJ, que ficou em Recife. Fora isso, tem também o trabalho de pesquisa musical, eu tenho um acervo de vinis, tenho discotecado aqui em algumas festas e também trabalho com MP3, eu estou  pra tudo, estou fazendo jardinagem... Só não sei bater laje (ela não falou, mas me mostrou: também desenha, faz ilustrações, um traço muito bom).

'Tem que haver mais amor e compreensão'


BLOGA - Como vê a cena independente atual? Você criticou em uma entrevista a “lenda urbana dos editais”, o investimento maciço em “arenas”, que chamou de retrocesso, a subutilização de espaços, só ocupados em época de carnaval... O artista tem que cavar seu próprio espaço? A coisa está muito “mainstream”?

CATARINA – Cara, dizem que a indústria das gravadoras está em ruína, mas eu acho que na verdade se apropriaram dessa revolução digital, se apropriaram de algumas coisas, de alguns canais de divulgação que a gente tem hoje em dia e as coisas não mudaram pouco. Os editais, que antigamente eram fomento, estão sustentando e sub-sustentando artistas que eram de gravadoras até então. E as pessoas que estão começando e que realmente têm um trabalho independente não têm muita vez. Fora que há uma nova MPB, não sei, que eu acho que são pessoas extremamente competentes, tocam bem, cantam bem, tem estrutura, mas que não emocionam, parece que fazem uma música no formato para tocar na Nova Brasil FM, e é uma rádio que de nova não tem nada, porque toca o quê? Música de 20, 30 anos atrás ou releituras dessas músicas. Então a gente ainda tem essa deficiência do rádio. E eu acho que em São Paulo, apesar disso, você tem muito acesso a investimentos da iniciativa privada, que é uma coisa que falta lá no Nordeste, e existe uma cena independente que consegue se sustentar também. Tem estúdios aqui que você pode ensaiar e tocar e tirar uma grana com a bilheteria. Tem casas que têm uma estrutura profissional; é só uma postura de você saber também criar uma estrutura profissional para lhe acompanhar, não abrir mão muitas vezes de um técnico de som, está entendendo? Ensaiar bem, ter bons músicos, parceiros. Tem a estrutura do Sesc, que é um grande diferencial aqui em São Paulo, a estrutura do Sesc em outras cidades é subutilizada, o único lugar que eu vejo que acontece isso no Brasil é aqui. Ao mesmo tempo, o Sesc de São Paulo fica com a arrecadação quase toda do Nordeste. A gente estar tocando aqui não é nenhum favor também.

BLOGA - O que quer dizer com “feminismo bem-humorado e passional”? O que quer dizer isso? Alguma observação a respeito do tom do movimento feminista?

CATARINA – Na verdade eu acho que tanto o feminismo como o machismo está numa crise de identidade imensa. Eu adoro regalia que o machismo me dá, por exemplo, o cara pagar a conta do motel, do jantar, abrir a porta, puxar a cadeira para eu sentar, eu acho o galanteio uma coisa maravilhosa, e isso é confundido com machismo. Ao mesmo tempo, as mulheres adoram gozar do direito de pagar menos pra entrar numa balada. Eu fiz uma festa em que homem entrava de graça até meia-noite, e foram pouquíssimos homens, porque falaram que ia só dar homem. Foi engraçado... Eu gosto de brincar com esses comportamentos. Eu não me identifico nem com o movimento feminista, que às vezes fica um ‘feminazi’ muito grande, parece que é uma raiva do homem, sabe, eu adoro os homens, adoro meu marido, meu filho, meu pai, e acho que há uma opressão também, acho que as mulheres têm também que baixar um pouco a guarda e entender seu coração, suas próprias necessidades, sua sensibilidade. Acho que não é essa onda de direitos iguais... Direito igual importa direito ao voto, à escolha do trabalho, à escolha profissional, do que vai estudar, várias escolhas, mas existem diferenças entre os homens e as mulheres, de sensibilidade e de condições físicas mesmo, que acho que têm que ser respeitadas, tem que ter equidade, na verdade, acho que a gente está caminhando pra isso, mas acho que ambas as partes têm que relaxar mais, a gente está passando por uma era meio extrema e acho que tem que haver mais amor e compreensão. As pessoas têm que aprender a ceder mais, ambas as partes.

BLOGA - Vc tem opiniões firmes, posicionamentos. Integrou-se ao movimento Ocupação Estelitahoje (16/09) comentou sobre essa desocupação de um prédio na praça da República, criticou a nossa era, altamente empresarial, perda de valores. Como vê o atual momento político? Estamos a poucos dias da eleição e Pernambuco está no centro, com a morte de Eduardo Campos. Você acredita em transformações por meio do voto? Como se define politicamente?

CATARINA – Eu acho que, por exemplo, hoje a gente tem visto muito essa mistura de religião com política, essa luta pelo Estado laico. Acho que tanto na religião como na política você tem que ter coerência, você tem que olhar para seu próprio umbigo, não adianta você fazer discursos e não ter a prática. E existem práticas que a gente tem que exercer diariamente, isso é ser cidadão. O problema é que o povo brasileiro anda revoltado porque a gente tem uma carga onerosa imensa nas nossas costas e os serviços são muito ruins, principalmente no Nordeste, que a gente vê que o custo de vida está muito alto e os serviços estão muito ruins. E isso vai gerando revolta, realmente. Eu acho que a gente está passando por um momento político muito complicado, mas acho que a política tem que ser exercida além das urnas. O povo está na rua exigindo seus direitos, essas ocupações têm que ser melhor assistidas. Tem um monte de gente entediada aí que está acabando de se formar em Ciências Sociais, tem que estar engajada nessa história toda. A gente está vivendo um momento muito punk também, além do ‘lobby’, por exemplo, a gente vê a história do Brasil, o ‘lobby’ que teve dos Estados Unidos em cima da ditadura e da indústria do petróleo, que fodeu com todo nosso sistema ferroviário, a gente está vivenciando agora um caos, que é produto disso tudo. As cidades criaram nós, os carros ainda estão de maneira defasadíssima sendo exaltados, essa indústria automobilística, que eu acho que é uma coisa que já devia ser refreada... Existem consequências? Existem, mas é a nova ordem, tem que investir muito em mobilidade, em mobilidade pública... A questão da especulação imobiliária é terrível também. Eu vejo isso tanto em Olinda, uma cidade que é um centro histórico, onde eu vivo, a cidade está fantasmagórica, porque as pessoas que eram realmente colonos, que viviam lá, estão abrindo mão de estar nas casas porque não têm grana nem acesso a crédito barateado e facilitado para restaurar suas casas da maneira correta, então se torna uma vida onerosa, precária, elas estão vendendo essas casas para mecenas que as utilizam simplesmente no carnaval para camarote de empresas e a gente não vê mais uma vida espontânea como se tinha na cidade da maneira que existia mesmo, de pessoas que vivem lá e que são agitadores culturais, que vivem a boemia da cidade, que utilizavam os serviços da cidade. A gente vê isso em micro e macroescala. O problema do Estelita foi porque eles sucatearam a área ferroviária de lá, existem aqueles galpões que são mausoléus da indústria da monocultura do açúcar, que ainda perdura... O boia-fria até pouco tempo ganhava 13 reais por uma tonelada e meia de cana. Ao mesmo tempo ele tem força e reação para fazer o maracatu rural, tomar azougue, que é a cachaça com pólvora... Como dizia  Glauber Rocha: ‘ a cultura popular é o grito primal de resistência de um povo’. E esse leilão lá foi fraudulento, eles querem construir um paredão de prédios na beira-rio do canal. Após todo esse clamor e esse grito da população, dos ativistas, o projeto se readaptou, a gente ainda não está satisfeita, porque é praticamente uma Dubai em Recife. É uma pena que a elite que detém o poder e o dinheiro no Brasil seja tão cafona e tão colonizada, que imita modelos ruins e fadados à falência. A gente ainda vivencia a questão do cabresto, do crivo à educação, à saúde, ao povo, e isso atravanca, as pessoas se tornam massa de manobra ainda para votar no cabresto, e isso reverbera em tudo, até na adoração que o oprimido tem ao opressor, como falava Paulo Freire. Então a gente precisa mudar as coisas de maneira muito brusca em atitudes realmente assim de foco e de informação. Parem de ler tanto a internet, tanto a Wikipedia, e vão ler livros, porque acalma, informa, está entendendo? E faz dormir gostoso.
'Parem de ler tanto a internet, a Wikipedia; leiam livros'

BLOGA - Qual sua agenda? Tem as apresentações do Mês da Cultura Independente da Prefeitura, a festa no Pratododia, e que mais? O que SP pode esperar de você?

CATARINA – Eu cheguei agora, ontem dia 15, aqui, e já estou ensaiando com a banda nova, esta semana será toda de ensaios Dia 18 vou tocar no boteco Pratododia, uma honra tocar naquele lugar que eu gostei muito, é um respeito ao DJ de vinil, vai ser com meu companheiro de pesquisa Maurício Fleury, que eu tenho a maior admiração por ele; na sexta (19) eu tenho o Terminal Nova Cachoeirinha, que é o formato “MC Ririca”, junto com o DJ Ad Ferrera, que é outro parceiro; na mesma noite eu toco no Zé Presidente, participo como MC Ririca também dividindo o palco com a Camila Garófalo; no sábado (20) eu toco na Festa Mel, que é na Dom José Gaspar, também por esse festival de cultura independente; nesse mesmo dia tem o show da Academia da Berlinda, no Belenzinho, talvez eu dê uma pintada lá pra tocar com os meninos;  semana que vem, dia 27, vai ter também no Centro Cultural São Paulo, na rua Vergueiro, com Maria Alcina e Lurdes da Luz, vai ser um show bem especial pra mim, e tem mais data em outubro, muita coisa configurando na agenda, já está batendo um monte de coisa. É isso, estou superfeliz de estar me desenrolando nesta cidade.

BLOGA – Aí você fica atualizando no site para as pessoas acompanharem. E essa banda é toda lá de Olinda?


Catarina e os novos Radicais Livres: Faraco, Índio, Lelinho e Carranca

CATARINA – É gente de toda parte. O Faraco (Felipe Faraco, teclados) é de Porto Alegre, Lelinho (Lello Bezerra, guitarra) é de Caruaru, Carranca (Hugo Carranca, bateria), é das Olinda, e Índio (David Índio, baixo) é de São José do Rio Preto, onde eu toquei, no Sesc.

SERVIÇO:

Festa El Delírio -  Boteco Pratododia – Rua Barra Funda, 34, Barra Funda. Quinta, 18/09, a partir de 21h

TerminalNova Cachoeirinha – Sexta, 19/09, a partir de 17h. Grátis

Espaço Zé Presidente – Rua Cardeal Arcoverde, 1.545, Vila Madalena. Sexta, 19/09, a partir de 21h

FestaMel – Edição especial Ilha das Flores – Praça Dom José Gaspar, República. Sábado, 20/09, a partir das 19h. Grátis

Academia da Berlinda -  Sesc Belenzinho – Rua Padre Adelino, 1.000, Belenzinho. Sábado, 20/09, a partir das 20h

CentroCultural São Paulo – Rua Vergueiro, 1.000, Paraíso. Com Lurdez da Luz e Maria Alcina. Sábado, 27/09, a partir de 19h. Grátis

Ouça aqui o áudio da entrevista (com direito a palhinha de 'Peba na Pimenta'):
 



Ouçam e vejam seu mais recente vídeo, "Vem que vem":

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Domingo no parque com Gil

Gil Black Gil: aquele abraço a Sampa (foto: Nathália Bernardo)
O domingo de 14 de setembro de 2014 estava ensolarado. Bem seco, com tem sido nos últimos tempos. Ótimo para praia, montanha, rio... Mas uma multidão preferiu não encarar as estradas e o inevitável trânsito para ver Gilberto Gil no Parque do Ibirapuera. Sim, teve trânsito, fila no estacionamento, mas nada insuportável. E o parque, o enorme Ibirapuera, acolhe a todos, e é uma opção de passeio do qual o paulistano e outros cidadãos não abdicam.

O local estava repleto, mas a dimensão do parque, com seu mais de 1,5 milhão de metros quadrados de área, faz com que nem se sinta a lotação. Exceto na hora do show de Gil. Horas antes das 18h30, quando o baiano subiu ao palco externo do Auditório, já havia centenas de pessoas, sentadas em todo canto. Muitos fazendo piquenique, toalhas abertas no gramado seco, todo tipo de quitutes e bebidas. Famílias com bebês de colo e crianças de todas as idades, cães de todas as raças, casais homo e hetero se curtindo numa boa.

Horas antes, Gil e os gaúchos do General Bonimores passaram o som, e pude ficar perto do palco e fazer umas fotos mais próximas. Esse grupo ganhou um festival promovido por uma empresa coreana e, como um dos prêmios, pôde tocar junto com o astro tropicalista, ex-ministro, que ali fazia uma espécie de comemoração de seus 50 anos de carreira, no parque que recentemente completou 60 anos de inauguração.
Com os gaúchos do General Bonimore, canta "Back in Bahia", do seminal álbum Expresso 2222, de 1972


Os gaúchos tocaram duas músicas antes de Gil, “Dia Feliz”, que ganhou o concurso de novos talentos promovido pela Samsung, e outra que não me lembro do nome. Um som bacana, com sotaque sulista, acentos dos ritmos folclóricos de sua terra na batida. Talvez se deem bem, vamos ver.

Aí entrou Gil com sua banda: Fábio Lessa (baixo), Jorginho Gomes, irmão de Pepeu (bateria), seu filho Bem Gil (guitarra), Claudio Andrade (teclados), Gustavo de Dalva (percussão) e Sérgio Chiavazzolli (guitarras).

Começou com “Tempo Rei”, depois “A Novidade”. Foi de Bob Marley, com a versão “Não Chore Mais”, depois “Is This Love?” e “Three Little Birds”.

Fez referência a comentário de Dominguinhos sobre o reggae, que dizia ser um baião sem-vergonha, e atacou de “Esperando na Janela”. Depois “A Paz” e “Drão”. Apresentou em seguida três sambas, mostrando que é um ritmo presente em todo o país: “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho; “Aquele Abraço” e “Andar com Fé”, dele.

Apresentou a banda e foi de “Palco”, que conheci antes com A Cor do Som, lá nos anos 70. “Vamos Fugir”, com o sotaque reggae explícito até na letra (“flores que a gente regue”, “que você me carregue”, “onde a gente escorregue”, “outra banda de reggae”).

Aí cantou “Punk da Periferia”, que fala da Freguesia do Ó, bairro da zona norte de São Paulo, perto de onde moro. Homenagem à cidade? Fez o gesto obsceno já visto em outras apresentações (o dedo médio apontado em riste no verso “aqui pra vocês!”). Emendou a temática agressiva com “Nos Barracos da Cidade” – “gente hipócrita, gente estúpida” -, e finalizou com “Toda Menina Baiana”, para se despedir.

Ibira ficou lotado (Foto: Manuela Scarpa/Photo Rio News)
O bis veio logo. Com o General Bonimores – de quem, com sinceridade, disse não se lembrar do “nome difícil” -, cantou “Back in Bahia”, do seminal LP Expresso 2222, de 1972. Fez “Realce”, da fase disco – último da quadrilogia “Re”, iniciada com Refazenda, Refavela e ainda Refestança, com Rita Lee -, e terminou com “Aquele Abraço”, subvertendo o sentido original da letra e dando um agradecimento aos que lá estávamos (“pra você que ‘não’ me esqueceu”; “todo povo brasileiro ‘de Sampa’”).

Um show de grande energia, alegria. Um Gil elétrico, simpaticíssimo, dançando, rebolando, dando beijinhos na plateia, um menino de 72 anos que não deixa o pique cair e demonstra a todo instante que adora o que faz. O rei da brincadeira. Sem confusão.