O Barquinho Cultural

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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Paranapiacaba, restaurada e embelezada

Vila faz parte da história ferroviária do país, é porta para um raro cantinho de Mata Atlântica e está perto de um processo de restauração que deve valorizar o seu charme

Por Carlos Mercuri



 Prefeitura deve encaminhar amplo projeto de restauração ao Iphan (fotos: Juca Martins).
Erguida no alto da Serra do Mar, a Vila de Paranapiacaba­ tem como “quintal” um cenário natural cada vez mais raro no país: a Mata Atlântica. E em seu miolo, um sabor bucólico de história. No início um acampamento para abrigar trabalhadores da ferrovia que liga o interior de São Paulo a Santos, para escoar o café consumido pelo mundo, o lugarejo se tornou mais tarde uma autêntica comunidade ferroviária. Ali, os ingleses da São Paulo Railway Company, que construíram a estrada de ferro, fixaram os profissionais responsáveis pela sua manutenção. E o que ficou foi a única típica vila inglesa, planejada de acordo com os padrões britânicos.

Pertencente a Santo André, no ABC paulista, Paranapiacaba está próxima de dar preciosos passos com vistas a reforçar a longevidade de seu charme. Para tanto, a prefeitura deve encaminhar neste fevereiro um amplo projeto de restauração ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). É o primeiro ato para fazer jus a uma receita de R$ 42 milhões do governo federal, provenientes de uma linha do Programa de Aceleração do Crescimento voltada para o financiamento de programas de revitalização de localidades desse naipe, o PAC Cidades Históricas.

O projeto prevê intervenções em 242 casas com objetivo de resgatar as suas características originais, buscando o máximo reaproveitamento dos materiais existentes, como o madeiramento. Também faz parte dos planos reativar uma cooperativa de marceneiros para, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), qualificar a mão de obra local.

De acordo com o secretário municipal de Gestão de Recursos Naturais, Ricardo Di Giorgio, nos últimos 20 anos projetos são alternadamente iniciados e abandonados. “A descontinuidade prejudica a preservação. Agora, queremos tornar a vila um dos principais polos turísticos de São Paulo”, afirma, ao destacar a importância de se preservar a vila, tombada pelo patrimônio histórico. “São Paulo é o que é hoje por causa da ferrovia. E Paranapiacaba, além de seu valor histórico, também é importante pelo lado ambiental, porque no local há várias nascentes que abastecem a represa Billings.”

Paranapiacaba atrai de moradores da região metropolitana a visitantes de fora de São Paulo. O ecoturista, por exemplo, aventura-se por trilhas, encontra espécies únicas de árvore e animais, nascentes e cachoeiras, não raras vezes envolto por uma neblina que fez os ingleses da companhia se sentirem em casa. Interessados em arquitetura apreciam o cenário autenticamente voltado à atividade econômica ao seu redor: a ferrovia. Curiosos por tecnologia aprendem como, no fim do século 19, os engenheiros venceram um obstáculo de 800 metros entre a serra e o nível do mar. E os sem apetite definido, mas que buscam estar apenas um dia, ou algumas horas, cercado de verde, longe da poluição, fazer caminhadas lentas e silenciosas, tomar um café ou uma cerveja, almoçar sem pressa, pisar na terra.

Lize Nascimento e a família: terapia para enfrentar a semana


A atriz Lize Nascimento, moradora na capital paulista e visitante de “vários carnavais”, descobriu recentemente uma trilha leve, que pode ser feita sem monitor, na Vila Taquarussu. “O caminho foi bem agradável, uma estrada que não é nem de terra, nem asfaltada, coberta de pedregulhos. Apesar dos carros e motos eventuais, é calma, com bela paisagem, som de pássaros e de animaizinhos da mata. Com meia hora de caminhada encontramos uma corredeira com água fresquinha onde pudemos repor a água da garrafa e curtir a sombra”, relata Lize, que viajou com a família. “Funciona como terapia para enfrentar a semana cheia de obrigações.”

Expresso turístico

Uma maneira especial de chegar a Paranapiacaba é o Expresso Turístico, operado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Sai aos domingos (exceto o segundo de cada mês) da estação da Luz às 8h30 ou às 9h da estação Prefeito Celso Daniel, no centro de Santo André. Custa R$ 34 se for individual na Luz e R$ 31 na Celso Daniel – há tarifas com desconto de até 50%, conforme o tamanho do grupo. A composição, com espaço para ciclistas, é formada por dois carros de aço inoxidável da década de 1960, tracionados por uma locomotiva a diesel. O trajeto de 48 quilômetros desde a Luz dura 90 minutos. A volta é às 16h30.

De carro, a viagem começa na Via Anchieta, a vai até o km 29, quando se pega a Estrada Velha de Santos até o km 33 e, depois, a rodovia Índio Tibiriçá até o 
km 45,5. De lá, placas indicam a rodovia SP 122, que conduz até a vila. Quem vai de ônibus, toma o que sai do Terminal Rodoviário de Santo André, na estação Prefeito Saladino, ou o que sai da estação de Rio Grande da Serra de hora em hora. A integração trem-ônibus custa R$ 4,65, para quem sai da Luz.

A dica é ir direto à parte baixa, onde estão a Vila Velha e a Vila Martin Smith­. Uma das atrações é a Maria Fumaça, composta por uma locomotiva de 1867 e um carro de passageiros de madeira fabricada em 1914, que leva para um passeio de um quilômetro na área do Museu Ferroviário. Custa R$ 5 por pessoa e funciona aos sábados, domingos e feriados.

Uma das principais construções é o Castelinho – que serviu de residência ao engenheiro-chefe da companhia. No alto de um morro, com vista privilegiada de todos os arredores, a casa foi erguida em 1897 e restaurada em 2005. Abriga um museu e guarda peças da ferrovia, fotos de pessoas que viveram a época da construção da estrada de ferro, móveis, quadros, relógios e outros objetos. A cada meia hora, monitores contam a história e lendas do local. A entrada custa R$ 3.

O Museu Tecnológico Ferroviário expõe vagões, máquinas e peças usadas para manutenção de trens. O Clube União Lyra Serrano é outra edificação que vale a visita. Construído em 1936 e restaurado em 2005, era no passado o espaço cultural e social da vila, com cinema, salões de baile e de jogos e quadras de esportes. Atualmente, guarda uma exposição permanente de troféus e painéis fotográficos com cenas de várias épocas. Abre de terça a sexta das 9h às 16h, e sábados, domingos e feriados das 9h à 17h, com entrada franca.

Merecem ainda uma olhada o Antigo Mercado, hoje um centro multicultural, onde diversas atividades são realizadas; o Centro de Documentação em Arquitetura e Urbanismo, com acervo que reconta a formação urbana da vila; e a Casa da Memória, do começo do século 20, que abriga a memória coletiva dos antigos habitantes.

Festas e sabores

Vila está incrustada em área remanescente da Mata Atlântica
O desfrute da natureza começa pelo Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba. Criado em 2003 pela prefeitura, o parque conserva área remanescente de Mata Atlântica, nascentes do Rio Grande – o que abastece a Billings – e é destinado aos que gostam de esportes da natureza e caminhar nas trilhas. Há cinco delas que, de variados graus de dificuldades, requerem a companhia de monitores cadastrados, contratados na própria vila. Abre de terça a domingo, das 9h às 16h.

Entre uma parada e outra, passeia-se pelas suas ruas íngremes em meio às casas de madeira, muitas delas instalações comerciais. São várias opções de restaurantes, bares, cafés e lanchonetes, com preços justos. Há ainda quiosques que servem lanches e porções. Se o visitante quiser passar a noite, pode escolher entre os vários cama-e-café ou uma das pousadas, em um total de 200 leitos. Convém reservar com antecedência pelo site.

A vila também tem um calendário de eventos, que vem sendo retomado em sua concepção original. Em abril, tem o Festival do Cambuci, fruto típico da região e usado em várias receitas, além de aromatizar e dar sabor à cachaça. Em julho, é realizado o Festival de Inverno, com apresentações artísticas. A prefeitura planeja ainda retomar atividades como o Arraiá da Vila, a Convenção de Bruxas e Magos, o Encontro Internacional de Magias e Terapias Alternativas e o Encontro de Ferromodelismo, ainda com calendários por definir.


Com a verba do PAC Cidades Históricas, a administração projeta ainda o restauro de outros imóveis considerados representativos do modo de vida inglês e do patrimônio ferroviário, como os galpões das oficinas de manutenção, o almoxarifado da antiga SPR, a sede da Associação Recreativa Lyra da Serra e os galpões da garagem das locomotivas, que abrigarão a estação definitiva do Expresso Turístico. Também serão contempladas a recuperação do campo de futebol do Serrano Athletic Club, de 1903, um dos primeiros com medidas oficiais em todo o Brasil, e a reconstrução de um imóvel incendiado na região do Hospital Velho.

(Reportagem publicada na edição 92, de fevereiro de 2014, da Revista do Brasil)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

PM age com truculência contra manifestantes que, para Alckmin, são vândalos

Um efetivo aparentemente superior ao de manifestantes; mais de um quarto de participantes detidos; agressões e cerceamento à imprensa e a advogados. Esse o saldo do ato contra a Copa deste sábado

Por Carlos Mercuri

Jornalistas novamente foram reprimidos (foto: Joca Duarte/DCM)
Desta vez, a polícia militar de São Paulo, comandada pelo governador  Geraldo Alckmin (PSDB), agiu flagrantemente com o intuito de melar a manifestação (um direito constitucional) neste sábado (22) na capital  contra a Copa, . Além de convocar para depoimentos 40 participantes do primeiro ato, realizado em 25 de janeiro, na mesma hora desse segundo protesto – o que o próprio diretor do Deic, Wagner Giudice, admitiu  neste domingo que visou esvaziar o movimento -, o comando da PM mandou um efetivo de soldados aparentemente superior ao de manifestantes. A edição brasileira do espanhol “El País” falou em 2,3 mil. O Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), consultado às 18h, informou que havia cerca de mil manifestantes naquele momento, que o ato estava pacífico, mas não divulgou o efetivo enviado. Uma sonegação de informação estranha.

PMs cercam manifestantes (foto: Mídia Ninja)
Mas o pior veio depois. Cerca de duas horas depois de iniciado o ato – ou menos -, a PM cercou manifestantes que, para a corporação, era adepta da tática black bloc. Segundo o “El País”, a Polícia Militar  justificou aquele cerco para “impedir uma injusta e iminente agressão, retendo pessoas que se preparavam para cometer atos criminosos durante apenas o tempo necessário para identificá-las”. Alguns dos presentes relataram como os policiais levantaram uma bandeira azul e disseram: “A gente ganhou. Essa Copa é nossa”. Foram levados para delegacias 260 deles (mais de um quarto dos participantes), uma atitude criticada por advogados e pela própria OAB de São Paulo.

Marcos da Costa, presidente da OAB-SP, disse que a polícia não tem o direito de prender manifestantes e levá-los para prestar depoimentos se nesse momento não estavam cometendo um crime. “O papel da polícia é proteger a manifestação, atuar no caso de serem cometidos crimes que ameacem o direito do manifestante. Neste caso, até os profissionais da imprensa tiveram seu direito de exercer a profissão violado”, lamenta da Costa. Cinco jornalistas foram detidos e há relatos de que a polícia impediu que imagens da ação fossem registradas.

Membros do grupo Advogados Ativistas, que representa gratuitamente os detidos durante os protestos, também denunciaram agressões por parte dos policiais. Eles disseram que os PMs cercearam seu trabalho ao impedir que acompanhassem as revistas pessoais, que acabaram sendo feitas “longe dos olhos dos cidadãos, advogados e imprensa” com o risco de que os agentes cometessem abusos. “Eles não deixaram ninguém ficar, inclusive nós”, relata Igor Leone, do Advogados Ativista, à repórter Anna Beatriz Anjos, que cobriu a manifestação para o SPressoSP. Outro advogado ativista, André Zanardo, confirmou: ”Na hora em que filmávamos um garoto sendo agredido por um policial, fomos colocados para fora do cordão de isolamento. Fomos expulsos a pontapés”, afirmou ao portal “Uol Esporte”.

Efetivo policial era superior ao de manifestantes (foto: Anna Beatriz Anjos)
Declaração de um dos responsáveis pela operação ao mesmo portal é um primor: ”A ação policial foi necessária porque notamos que os black blocs começaram um procedimento que sempre fazem antes de partir para o vandalismo”, afirmou o major Larry Saraiva. “Eles dão os braços, gritam palavras de ordem e saem correndo quebrando tudo. Os policiais, então, separaram esse grupo. Todo mundo sentou no chão e teve as mochilas revistadas.” Segundo ele, “99% dos detidos eram black blocs.”

Não houve, como se vê, razão para a ação bruta da polícia, que novamente lançou bombas de gás na multidão, apesar de a corporação ter treinado um grupo praticante de artes marciais para evitar o confronto armado. Não houve depredação, ataque a soldados – além de alguns impropérios, próprios em uma manifestação. Participantes relataram agressões de policiais com a identificação coberta pelo colete, impedindo que fosse apresentada queixa formal. “A quem vou denunciar? A maioria não tinha identificação, e foi uma ação conjunta, ordenada”, reclama Mauro Donato, colunista do Diário Centro do Mundo, que afirma ter sido cercado por um grupo de PMs que o agrediram com cassetetes e chutes durante 30 segundos.

Zanardo aponta a ilegalidade da operação policial: ”A ação toda foi um absurdo. Gritar não é crime. Dizer que vai correr e quebrar alguma coisa também não é crime. A intenção de fazer alguma coisa não pode fazer alguém ser detido”, declarou o advogado. “A polícia não pode pegar as pessoas aleatoriamente. A Constituição diz que alguém não pode nem ser revistado se não houver uma fundada suspeita.”

E o governador, o que tem a dizer? Em sua conta no Twitter, Geraldo Alckmin foi, como sempre, lacônico: ”A população de São Paulo entende a diferença entre manifestações legítimas e vandalismo organizado”. E acrescentou: “Protegeremos o direito à livre manifestação; combateremos a violência e o quebra-quebra”. Foi o mesmo que se viu no último dia 4, na Linha 3-Vermelha do Metrô: as autoridades do Estado chamando de “vandalismo” um ato legítimo de protesto contra o que a população considera errado.

(Publicado no SPressoSP em 23/02/2014)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A República precisa saber das relações Daniel Dantas x Gilmar Mendes

Rubens Valente, autor do livro Operação Banqueiro, fala sobre o papel do ministro do STF, tido por ele como fundamental no desmanche da Satiagraha e na desqualificação das denúncias
Por Carlos Mercuri

Dantas: relações perigosas (foto: Wikimedia Commons)
Em julho de 2008, uma operação da Polícia Federal, denominada Satiagraha, levou à prisão, após quatro anos de investigação, o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity; o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o doleiro Naji Nahas, entre outros, indiciados por crimes financeiros. Pouco depois, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes – que fora advogado-geral da União no governo de Fernando Henrique Cardoso –  manda libertar o banqueiro. O delegado federal responsável pela operação, Protógenes Queiroz, é afastado da operação, bem como o juiz que expediu o mandado de prisão, Fausto de Sanctis, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo. O que se viu em seguida foi uma reviravolta no caso, com Dantas passando de acusado a acusador, conseguindo sustar o processo e anular as provas do caso.
O assunto é tema do livro Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, lançado este mês pela Geração Editorial e cuja primeira tiragem, de 20 mil exemplares, esgotou rapidamente nas livrarias. Nesta terça-feira (21), Valente participou de uma mesa-redonda com blogueiros independentes na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, transmitida ao vivo pela TVT – TV dos Trabalhadores, na qual abordou seu trabalho de apuração que resultou no livro e suas impressões sobre o caso.
operacao_banqueiroPara Valente, o que mais chama atenção no caso é a relação entre Dantas e Gilmar Mendes, considerado pelo autor peça fundamental no desmanche da Operação Satiagraha e na desqualificação das denúncias. “Mendes nunca escondeu seu papel político na presidência do STF, não era segredo. Por que ele agiu assim?”, questiona o jornalista. “É uma relação que a República precisa saber”, vaticina.
O autor teve acesso a mais de 1,5 mil e-mails apreendidos na casa do lobista Roberto Amaral e em três deles aparece o nome de Mendes, razão pela qual o processo subiu ao STF. Esses e-mails também demonstram o grau de intimidade que Amaral – figura já levada a público durante as investigações que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, quando o lobista era diretor da empreiteira Andrade Gutierrez – com autoridades do governo federal. Um desses e-mails chama a atenção pelos termos pouco formais com que se dirige ao então candidato a presidente José Serra (PSDB), em 2002.
O jornalista aponta que esse e-mail, enviado por Amaral a um assessor de Serra, “mostra que há segredos subterrâneos que a República precisa saber. Fala em dívida de Dantas, a qual Amaral diz que, na verdade, o banqueiro é credor. Não se trata de doação à campanha eleitoral. Serra deve não ter gostado de algo e Amaral dá esta resposta”, diz Valente. Ele deduz que Dantas não queria que houvesse investigação sobre correntistas nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe. Essas contas teriam sido criadas, de acordo com Valente, para empresas participarem do processo de privatização das telefônicas, e a legislação à época proibia brasileiros de criar fundos em paraísos fiscais para participar dos leilões.
Valente questiona a posição da Procuradoria-Geral da República e diz que o atual procurador-geral, Rodrigo Janot, deve tomar a iniciativa do pedido de reabertura do caso. “Não sei o destino desses 1,5 mil e-mails, se ainda existem ou foram destruídos. Mas há a hipótese de o STF julgar que há elementos para investigar o ministro Gilmar Mendes”, acredita o repórter.
O jornalista diz que o que o motivou a escrever o livro-reportagem foi o fato de Daniel Dantas acumular muito poder. “É um grande personagem do ponto de vista jornalístico. É um grande empresário com conexões com o interesse público, gosta de se relacionar com o poder, gosta de estatais e consegue exercer pressão sobre o governo, de onde deve vir boa parte de seu poder”, avalia.
Sobre as relações de Daniel Dantas com o publicitário Marcos Valério, apontado como operador do mensalão, Valente diz que o banqueiro o procurou, inicialmente, para se retratar junto ao governo do então presidente Lula por não ter feito doações a sua campanha eleitoral e queria estabelecer relacionamento com o novo governo. “A agência de publicidade de Valério tinha a conta do Opportunity, o que levou a Polícia Federal a suspeitar se os recursos eram carreados para o mensalão. É possível que parte do valerioduto possa ter sido irrigado por empresas ligadas ao Opportunity, mas nada foi esclarecido”, afirma o jornalista.
A respeito da reação do banqueiro ao livro, Valente disse que ele tentou por via extrajudicial impedir o lançamento e distribuição, alegando que a obra é “ilícita e ilegal”. “Pesquisei a legislação apontada por Dantas (leis 9.096/96 e 105/01) e nada se fala sobre limites do jornalismo, mas sim sobre como o Estado deve cuidar do sigilo de suas investigações”, explica Valente. “As duas leis evocadas por Dantas na notificação não tocam no tema da liberdade de expressão. É pura coação psicológica sobre a editora e o autor, ainda mais considerando que o livro sequer havia sido publicado”, esclareceu.
Valente considera que a obra teve boa repercussão na imprensa, tanto entre a mídia alternativa quanto na imprensa tradicional. “Tive grande apoio da blogosfera, manifestações pelo Facebook, Twitter e também dos jornais e revistas, como Carta Capital, Agência Globo e Folha de S. Paulo”, comentou. Ainda a respeito da imprensa, o autor lamenta sua obra não ter podido analisar o papel dela em todo o processo. “Em alguns momentos trato do comportamento dos meios de comunicação, mas como coadjuvantes, porém, digo tranquilamente que o caso merece um trabalho extenso sobre essa questão.”
(Matéria publicada na Fórum Digital em 24/01/14)

Pânico no Metrô de São Paulo; Alckmin se cala

Secretário de Transportes Metropolitanos chama de “vândalos” passageiros revoltados com superlotação, atrasos e falhas no sistema
Por Carlos Mercuri
Passageiros andam pelos trilhos (Reprodução TV)
Os usuários da linha 3-Vermelha do Metrô de São Paulo viveram uma noite de pânico e desespero nesta terça-feira (4). Uma falha originada na estação da Sé interrompeu a circulação dos trens das 18h19 (horário de pico) às 23h22. As composições ficaram paradas na linha por mais de 40 minutos. Com a lotação e o ar-condicionado desligado, pessoas começaram a passar mal. Passageiros acionaram os botões de emergência para que as portas fossem abertas e pudessem sair.
A reação do Metrô foi agredir alguns passageiros e chamar reforço policial para conter a revolta dos usuários. Vários passageiros andaram pelos corredores dos túneis e pelos trilhos. Para o secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo, Jurandir Fernandes, os atos de revolta da população foram “vandalismo”.  “O que foi inusitado é que essa falha gerou uma reação em cadeia de um vandalismo inusitado. Esse botão é acionado quando você tem uma pessoa doente, uma pessoa passando mal. Agora, [acionar] sete vezes em menos de 40 minutos em pontos distintos da Linha 3 é algo inusitado”, afirmou.
Fernandes: inusitado (foto: STM)
Ouvido pela imprensa, o presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Altino Melo Prazeres, disse que o trem que provocou pane foi o K-07, que faz parte do lote de trens reformados pelas empresas suspeitas de formação de cartel para o contrato de manutenção dos veículos entre 2008 e 2010. Os contratos foram suspensos sexta-feira por determinação do Ministério Público por terem sido superfaturados. As empresas – entre elas a Siemens e a Alstom – terão de devolver R$ 800 milhões aos cofres públicos em 90 dias, sob risco de serem processadas e até fechadas.
Assim como para o secretário Jurandir Fernandes, para o Metrô, a culpa foi dos usuários. A estatal, em nota oficial, chamou o protesto dos usuários, irritados com mais uma falha, de “vandalismo” e lamentou os confrontos registrados entre passageiros e funcionários da empresa. Até o fechamento desta matéria, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ainda não havia se pronunciado sobre as falhas do Metrô.
(Matéria publicada no SPressoSP em 05/02/14)

Investigação de secretários de Alckmin depende de Janot

Marco Aurélio Mello, ministro do STF, desmembra processo que investiga cartel que operou nas licitações do sistema metroferroviário de São Paulo

Por Carlos Mercuri

Aníbal, Aparecido, Garcia e Jardim: investigados no STF (fotos: Governo de SP e PPS)
Está nas mãos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a iniciativa para que o Supremo Tribunal Federal (STF) abra investigação sobre três secretários do governador Geraldo Alckmin (PSDB) – José Aníbal (Energia), Edson Aparecido (Casa Civil) e Rodrigo Garcia (Desenvolvimento Econômico) -, acusados de receber propina de cartel que fraudava licitações do sistema metroferroviário de São Paulo durante as gestões tucanas no Estado. Entre as empresas integrantes do esquema estão a Siemens e a Alstom. Para o caso ter prosseguimento, é necessário que Janot se manifeste sobre o desmembramento e indique que procedimentos irá solicitar para apurar os fatos.
Nesta terça-feira (4), o ministro-relator do caso na Corte, Marco Aurélio Mello, desmembrou o processo, ficando com o STF a investigação apenas dos três secretários mais o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) , por eles terem foro privilegiado (os auxiliares de Alckmin têm mandato parlamentar e estão licenciados desde que assumiram as pastas no Executivo estadual). Eles foram citados em depoimento à Polícia Federal feito pelo ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer.
Os demais envolvidos na denúncia – três ex-dirigentes da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM); duas parentes de um ex-diretor da companhia; e o lobista Arthur Gomes Teixeira – serão investigados na 6ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo – 1ª instância do Judiciário federal. São citados os nomes de João Roberto Zaniboni, Ademir Venâncio de Araújo e Oliver Hossepian Salles de Lima. Duas pessoas ligadas a Zaniboni também tiveram o nome incluído. No processo, são apurados os crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Mello também derrubou o sigilo das investigações. “Observo, inicialmente, a indevida tramitação deste inquérito sob segredo de justiça. As peças existentes nos autos são acessíveis de forma geral. Isso não ocorre apenas quanto aos dados sigilosos, que, assim, precisam ficar envelopados e lacrados para acesso restrito no que se tem a guarda considerados terceiros”, escreveu o ministro.
O ministro do STF autorizou ainda o compartilhamento do inquérito com o Ministério Público Federal em São Paulo, que abriu investigação disciplinar contra o procurador Rodrigo de Santis, suspeito de atuar para atrasar as investigações. A decisão atende a um pedido de Janot, que determinou que o MPF averigue a conduta de Santis, responsável pelo caso. Ele teria impedido a tomada de depoimentos de três suspeitos, o que levou o Ministério Público suíço a arquivar o processo.
O caso veio à tona quando a multinacional alemã Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para delatar a existência de formação de cartel para concorrer em licitações de equipamentos de linhas de trens e do Metrô em São Paulo. A empresa concordou em colaborar nas investigações para obter imunidade caso as denúncias viessem a ser comprovadas. O esquema teria funcionado desde 2000, na gestão do governador Mário Covas, e prosseguido nas gestões seguintes, de Geraldo Alckmin e José Serra.
(Matéria publicada no SPressoSP em 05/02/14)

Frequentador da Cracolândia passa a ter refeições no fim de semana

Restaurante popular beneficiará tanto os cadastrados no programa De Braços Abertos, da Prefeitura, quanto os do Recomeço, do governo do Estado

Por Carlos Mercuri


Usuários saíram de barracas e estão em hoteís (foto: Ivan Longo)
Desde o último fim de semana, os frequentadores da região da Cracolândia podem fazer refeições no restaurante popular Bom Prato dos Campos Elíseos também aos sábados, domingos e feriados. A iniciativa, realizada em conjunto entre Prefeitura e governo do Estado, beneficiará os dependentes químicos que circulam pela área. Até então, os 386 participantes cadastrados no programa De Braços Abertos da Prefeitura recebiam a comida nos hotéis onde estão hospedados, na região da Cracolândia. São servidos café da manhã, almoço e jantar.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social do governo do Estado de São Paulo, a iniciativa visa atender aos dependentes químicos em situação de rua que se concentram na região chamada Nova Luz. Será a única das 41 unidades da rede Bom Prato (21 na capital e as demais na Grande São Paulo, interior e litoral) a funcionar em fins de semana e feriados. A expectativa da secretaria é de que sejam servidas 1.700 refeições por dia nesse período. O atendimento será testado até o dia 20 de junho. O Bom Prato dos Campos Elíseos fica no Largo Sagrado Coração de Jesus, 28.
Conforme a Secretaria Municipal de Comunicação, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado atuaram em conjunto para a oferta do serviço, que atenderá tanto aos beneficiários do Programa De Braços Abertos quanto aos do programa Recomeço, da secretaria estadual, além de demais frequentadores da área. “Estamos abrindo o Bom Prato nos fins de semana e feriados exatamente para fortalecer as ações já realizadas pelo Governo do Estado por meio do Programa Recomeço”, afirma Rogerio Hamam, secretário estadual de Desenvolvimento Social.
Testes de DST
Os frequentadores da Cracolândia também contam agora com uma unidade móvel do programa “Quero Saber”, uma parceria da Secretaria Municipal da Saúde com o Ministério da Saúde. A iniciativa, além de orientar dependentes químicos e pessoas em situação de rua na região, promove testes para a identificação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Já foram realizados 200 testes no equipamento público.
Desde o início das ações do programa, foram realizadas mais de 3.284 abordagens e 444 atendimentos médicos pelas equipes da secretaria. Neste período, 213 pessoas iniciaram tratamento de saúde com vistas à desintoxicação. De acordo com as equipes de acompanhamento, 89% dos 386 participantes cadastrados têm conseguido manter frequência regular nas frentes de trabalho.
(Matéria publicada no SPressoSP em 19/02/14)

Denarc: dois pesos e duas medidas?

Diferença da ação do departamento na Cracolândia e na região da avenida Paulista põe em dúvida prioridades do órgão

Por Carlos Mercuri

Crédito da foto: Prefeitura Municipal de São Paulo
O Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Tráfico de Drogas (Denarc) parece que age com dois pesos e duas medidas, quando se trata de cumprir seu dever. Recentemente, uma operação secreta desse departamento do governo do Estado de São Paulo, a pretexto de procurar traficantes – entre os quais policiais civis suspeitos -, entrou com tudo na região da Cracolândia, com gás lacrimogêneo e balas de borracha, pondo em risco o programa De Braços Abertos, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo de abordagem mais humana do problema dos dependentes químicos que vivem na área.
Agora, após reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” do último domingo (16) apontar a venda livre e a céu aberto de inúmeros tipos de entorpecentes na região da avenida Paulista, o mesmo Denarc, questionado pelo jornal, sai-se com a burocrática resposta de que o tráfico na área já estava sendo investigado e “a reportagem vai contribuir com nosso trabalho” (palavras da diretora do departamento, Elaine Biasoli).
Longe de defender uma atuação estrondosa da Polícia, é fato que a abordagem nos dois casos tem bastante diferença. Os dependentes da Cracolândia e os consumidores da rua Peixoto Gomide, frequentadores das baladas da região, têm perfis muito diferentes também. Talvez resida aí o tratamento diverso em cada caso. De qualquer forma, o Denarc parece cumprir mais uma parte do que seu nome diz do que a outra: repressão de mais e prevenção de menos, conforme o público-alvo.
(Publicado no SPressoSP em 17/02/14)

A tática do avestruz de Alckmin

Governador de São Paulo some quando as coisas apertam no Estado e a população espera respostas e soluções imediatas
Por Carlos Mercuri
Alckmin: respostas enviesadas (foto: Wikimedia Commons)
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem utilizado, ultimamente, a “tática do avestruz” quando se trata de dar respostas a questões que afetam a população do Estado. O cidadão espera, mais do que pronunciamentos, soluções para os problemas graves que vem enfrentando nas áreas de segurança, transporte, saúde, educação e abastecimento – encargos do governo estadual. Mas o que vem se tornando frequente é o sumiço do governador quando a situação fica crítica ou explicações enviesadas.
Foi o que aconteceu nesta terça-feira (4) com o pânico na linha 3-Vermelha do Metrô. Milhares de passageiros ficaram presos nos trens, superlotados e com ar-condicionado ligado, parados mais de quarenta minutos por alguma falha que levou mais do que o tempo suportável para ser resolvida. O que Alckmin disse a respeito? Você ouviu ou leu? Nem eu.
Como resposta, uma nota oficial da companhia e entrevistas do seu secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, responsabilizando o usuário pelo caos. Ambos chamaram as pessoas que acionaram os botões de emergência, que permitiram as portas serem abertas e as pessoas saírem daquele forno, de “vândalos”.
No caso da chacina em Campinas, em janeiro, quando 12 pessoas foram executadas em um intervalo de cinco horas, com suspeitas de que tenha havido participação de policiais militares nos crimes, o governador saiu-se com o trivial: “Se for confirmado o envolvimento de PMs, eles serão presos, processados nas esferas cível e penal, e expulsos da Polícia Militar”. Até o momento, quase um mês após, as investigações só resultaram na prisão de cinco policiais, suspeitos de um 13º assassinato nos mesmos dia e local dos demais.
O mesmo acontece com os problemas no abastecimento de água. Depois de responsabilizar a população pela falta de água no litoral no fim do ano passado, o governador e a companhia de economia mista que cuida do seu fornecimento em São Paulo, Sabesp, jogam nas costas do cidadão a solução para o problema: economizar, senão vai ter racionamento depois do dia 15, ameaçou ontem o governador. Evidentemente que não se pode defender o desperdício, mas é necessário dizer que boa parte do problema está na falta de investimentos da Sabesp na manutenção dos reservatórios e ampliação da oferta, como indicaram especialistas ouvidos pelo SPressoSP e outros veículos de informação.
Até mesmo no caso do ataque a seu filho e neta nesta semana o governador evitou manifestar-se de imediato. A informação foi sonegada por ele e sua equipe desde o momento em que aconteceu, na noite de domingo (2), até o fim da tarde de segunda-feira (3). Assessores procurados pela imprensa negaram que tenha havido o fato e a notícia só foi confirmada e liberada quando o governador julgou conveniente.
A tática do avestruz pode ser boa para fugir do enfrentamento de situações difíceis, quando se espera respostas e eficiência. Mas demonstra o pouco compromisso e respeito que o governante tem com os cidadãos.
(Publicado no SPressoSP em 05/02/14)