O Barquinho Cultural

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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Só nos resta... Angela RoRo


Foto: Bob Wolfenson

A cantora, compositora e pianista Angela RoRo morreu nesta segunda-feira, 8 de setembro de 2025, aos 75 anos.

Há poucos dias, vi uma postagem dela numa rede social, pedindo doações para seu tratamento. Diz o noticiário que ele teve uma infecção pulmonar e seu apelo é porque não dispunha de recursos para se tratar.

Não sei o quanto isso é verdade. O que sei é que uma artista de sua importância e talento não deveria passar necessidade. Será que nenhum dos seus admiradores poderia fazer algo?

RoRo apareceu pela primeira vez tocando gaita em uma das faixas do álbum "Transa", de Caetano Veloso, lançado em 1972, quando de seu exílio em Londres. A música é "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)".

Caetano compôs para ela "Escândalo", que dá título a seu terceiro álbum, de 1981. Mas seu primeiro LP, homônimo, veio à luz dois anos antes, com 12 composições de sua autoria.

A que ganhou repercussão foi "Amor, Meu Grande Amor", dela e Ana Terra, que está na trilha da novela da Globo "Água Viva", de Gilberto Braga, e "Caminho das Índias", de Glória Perez, mas é um disco repleto de ótimas canções, como "Cheirando A Amor", "Tola Foi Você", "Balada da Arrasada", "Abre o Coração".

Aliás, não faltaram canções em sua voz a entrarem em trilhas de novelas da TV Globo... Busque saber.

Ano seguinte, vem com "Só Nos Resta Viver". O LP tem sua interpretação visceral para "Bárbara", de Chico Buarque e Ruy Guerra, da peça "Calabar - O Elogio da Traição", e "Fica Comigo Esta Noite", de Adelino Moreira e Nelson Gonçalves, ambas acompanhadas ao bandoneón por Ubirajara Silva.

O LP tem ainda duas faixas que são sua própria essência (além das composições que falam de amores vêm, amores vão): "Meu Mal é a Birita" e "Tango da Bronquite" (também com o bandoneón de Bira, claro).

O disco de 1981, "Escândalo", traz também "Tão Beata, Tão à Toa", de Guto Graça Mello e Naila Skorpio, que, em versão roqueira de Marina Lima, entrou no tema de abertura da novela "Corpo a Corpo", de Gilberto Braga, na Globo. "Vou Lá No Fundo", de Naila Skorpio e Sônia Burnier, é outra de minhas lembranças da artista.

"Simples Carinho", de 1982, abre com a faixa-título, composta pelos mestres Abel Silva e João Donato. Tem ainda uma de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, "Demais" -que parece ter feito sob medida para ela (Todos acham que eu falo demais / E que eu ando bebendo demais / Que essa vida agitada / Não serve pra nada / Andar por aí / Bar em bar, bar em bar...). Vai que, né?

Em "A Vida é Mesmo... Assim", de 1984, ela aparece cândida na capa, com um véu rosa, e apresenta "Fogueira", baita canção que ganhara antes interpretação igualmente intensa de Maria Bethânia em seu álbum "Ciclo", de 1983.

"Eu Desatino" é seu trabalho de 1985, que teve a primeira faixa, "Blue Janis", proibida à execução pública (talvez por se referir à heroína ou à liberdade sexual em seus versos cortantes).

"Prova de Amor", de 1988, traz composições de Bernardo Vilhena e Lobão ('Sempre Uma Dose A Mais'), Tavinho Paes e Arnaldo Brandão ('How Green Was Your Monkey') e outras dez dela - duas em parceria, "Viciado em Regras", com Aleph D. Clic, e "Funk do Negão", com Ari Mendes.

Em 2000, lança "Acertei no Milênio", uma brincadeira com "Acertei no Milhar", samba de Wilson Baptista e Geraldo Pereira gravado em 1940 por Moreira da Silva. Neste CD grava dois standards norte-americanos, "All Of Me", de Seymour Simons e Gerald Marks, e "Don't Let Me Be Misundertood", de Bennie Benjamin, Horace Ott e Sol Marcus. Neste disco RoRo dá sua interpretação para "Gota D'Água", de Chico Buarque.

Em 2006 lança "Compasso", cuja canção título, dela e de Ricardo Mac Cord, é quase um epitáfio: "Vou carregar de tudo vida afora / Marcas de amor, de luto e espora / Deixo alegria e dor / Ao ir embora".

"Selvagem", de 2017, foi seu último disco com canções inéditas, gravado em casa, na realidade no lar de seu tecladista e parceiro Mac Cord. O disco traz repertório variado, que vai do baião ('Parte Com o Capeta'), ao constante blues ('Portal do Amor'), passando pelo samba ('De Todas as Cores' e 'Maria da Penha').

Entre esses últimos, ela lançou dois álbuns com canções consagradas, "Angela RoRo Ao Vivo", de 2006, e "Feliz da Vida"", em 2013. Houve ainda o primeiro ao vivo, "Nosso Amor Ao Armagedon", de 1993, vários singles e compilações.

Vida

Nascida Angela Maria Diniz Gonçalves em 5 de dezembro de 1949, no Rio de Janeiro, ela foi uma das maiores vozes da música brasileira, conhecida por sua voz rouca, letras confessionais e uma presença de palco única.

O interesse pela música começou cedo. Aos 5 anos, já estudava piano clássico e, um ano depois, compunha em seu acordeão. O apelido "RoRo" surgiu na adolescência, por causa da sua voz grave e rouca, uma marca registrada que a acompanharia por toda a carreira.

No início dos anos 1970, Angela RoRo se mudou para Londres, onde trabalhou como faxineira, garçonete e lavadora de pratos. Paralelamente, ela se apresentava em pubs, tocando piano e cantando. Foi nesse período que teve contato com o cineasta Glauber Rocha, que estava em exílio, e chegou a ser convidada pelo empresário Malcolm McLaren (futuro mentor dos Sex Pistols) para gravar um álbum de blues, projeto que não se concretizou.

Ao retornar ao Brasil, Angela RoRo se firmou como uma das figuras mais originais da MPB. Sua autenticidade e a forma como falava abertamente sobre sua sexualidade a tornaram um ícone, especialmente na comunidade LGBTQIAPN+.

Ao longo de sua carreira, Angela RoRo lançou diversos álbuns e teve suas músicas gravadas por grandes nomes da música brasileira, como Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Marina Lima. Uma curiosidade é que a famosa canção "Malandragem", composta por Cazuza, foi oferecida a ela, mas RoRo recusou-se a gravá-la por não gostar da letra, e a música acabou sendo imortalizada na voz de Cássia Eller anos depois.

RoRo, que foi eleita pela revista "Rolling Stone" como a 33ª maior voz da música brasileira, continuou ativa até seus últimos anos, se apresentando em shows e participando de programas de TV, sempre com sua personalidade forte e seu talento inquestionável. Ela deixou um legado de coragem, talento e autenticidade. (Fontes: Discos do Brasil, Discogs, O Globo, G1, Biscoito Fino e Gemini)


terça-feira, 2 de setembro de 2025

Scrut celebra 50 anos de álbum Zappiano icônico

Foto e vídeo:Carlos Mercuri


O mês de agosto de 2025 terminou com a celebração de um dos discos mais fodásticos da discografia Zappiana - e, por que não dizer, do rock-pop-jazz mundial: "One Size Fits All". E a homenagem não poderia partir de uma galera mais que qualificada: a Central Scrutinizer Band!

A banda paulistana também tem efeméride a comemorar: em julho, completaram 35 anos de existência, entre formações diversas, mas com o núcleo-base ainda na ativa: Mano Bap (guitarra e voz), Cadu Bap (sax alto e voz), Hugo Hori (sax tenor, soprano, flauta e voz), Eron Guarnieri (teclados e voz), Ricardo Bologna (percussão), Caio Góes (baixo) e Claudio Tchernev (bateria).

A banda levou à Cervejaria Tarantino, na zona norte (pertinho de casa), a íntegra do álbum do Frank Zappa & The Mothers of Invention lançado em junho de 1975 que, simplesmente, redefine a obra dos artistas e marca em mármore o nome da banda no pedestal dos grandes da cultura pop mundial.

Não digo que "One Size Fits All" seja meu álbum preferido do Zappa... Eu ouvi TODOS seus 58 LPs oficiais - de "Freak Out (1966) a Yellow Shark (1993) - e este, se não é meu preferido, pelo menos é o que ouço com mais frequência.

Por quê? Não sei... Há uma pulsação nele que me remete a uma camada primitiva de meu ser, algo incompreensível, mais intuitivo, sensorial que intelectual, racional...

A banda Central Scrutinizer, da qual vários de seus integrantes militaram em outras paragens, tipo Karnak e Funk Como Le Gusta, é considerada - até pelo próprio Zappa - uma das melhores a celebrarem o repertório do gênio de Baltimore.

Esta apresentação mostrou o tamanho deles e da obra que resolveram homenagear. "One Size Fits All" é um disco que foi sendo melhor compreendido com o tempo. Em seu lançamento, 50 anos atrás, a imprensa especializada não foi unânime: o álbum foi recebido com certa cautela por alguns críticos.

Com o tempo, a crítica - e os ouvintes - foram percebendo o quanto de inovador e revolucionário o trabalho é. E os conceitos se foram apurando. Até que hoje é inegável se tratar de uma obra-prima.

O disco é visto hoje como o ápice da fase "jazz-fusion" de Zappa e de sua colaboração com a segunda formação da banda The Mothers of Invention, que muitos fãs consideram a mais icônica. A virtuosidade dos músicos, especialmente de George Duke (teclados), Ruth Underwood (vibrafone e marimba) e Chester Thompson (bateria), é um dos pontos mais elogiados.

"One Size Fits All" também é notável por ser o primeiro álbum de Zappa a ser gravado inteiramente em uma mesa de 24 canais, o que permitiu uma qualidade de som e uma densidade de arranjos sem precedentes em sua discografia até então.

Mas não é preciso entender dessas minúcias técnicas ou estilísticas para apreciar esses quase 44 minutos de puro deleite. Os quais a banda CS reproduz com maestria e uma dose correta de improviso e releitura.

Que 2026 os traga firmes para repetir a dose nos 60 anos de estreia de Zappa & Mothers reproduzindo o igualmente seminal "Freak Out".

Music is the best!