O Barquinho Cultural

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Adiós, La Negra



A cantora argentina Mercedes Sosa, que morreu neste domingo, 4/10, aos 74 anos, me comoveu à primeira vez que a ouvi. Foi dela o primeiro disco que comprei na vida, na verdade uma fita cassete, com a gravação de um show que ela fez no Ginásio do Ibirapuera, em 1980. Comprei porque era uma época em que o meio que eu frequentava respirava música latino-americana, no sentido de integração dos povos, por conta das inúmeras ditaduras que havia no continente. E celebrar aqueles cantores e compositores hermanos era comum entre os nossos artistas. Chico, Milton, Fagner, entre outros, tinham ligações com colegas argentinos, chilenos, cubanos e se gravavam mutuamente. E nós, lá de nossa comunidade em Santo André, bebíamos dessa fonte e ouvíamos avidamente Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanés, Atahualpa Yupanqui, Tejada Gómes, compositores dos quais Mercedes Sosa era, decididamente, a intérprete definitiva. Só para se ter uma idéia, havia, nessa época, pelo menos dois grandes grupos brasileiros dedicados a interpretar canções latino-americana: Tarancón e Raíces de América. Mas Mercedes Sosa, ou La Negra como era chamada, por causa dos cabelos pretos, tinha o dom de emocionar quem a ouvisse. Bem, não sei se todos, mas eu me emocionava e ouvi aquela fita cassete sem parar, não sabendo se prestava mais atenção às letras ou à interpretação perfeita e comovida dela. Cantor de Oficio, Gracias a La Vida, Drume Negrita, Canción con Todos, Los Hermanos, La Carta, Volver a Los 17... canções que eu sabia de cor - se forçar um pouco, ainda sei. E a língua não era barreira, conseguia entender perfeitamente a mensagem por trás daquele espanhol, dada a interpretação precisa que Mercedes sabia dar. Infelizmente nunca pude assistir a um show dela, mas ela estava sempre presente, em participações em discos de brasileiros, aparecendo esporadicamente na TV. Por meio dela conhecemos compositores muito importantes para a luta contra os regimes autoritários, que tinham a palavra como arma e que por causa dela sofriam represálias. A própria Mercedes foi presa em seu país e teve de se exilar em Paris e Madri. Lembrar, agora, de Mercedes, é recordar um período, quase 30 anos atrás, que marcou profundamente minha personalidade, que edificou meu caráter e que me tornou o que sou hoje. Claro que muitos sonhos daquela época tornaram-se apenas sonhos, alguns agora, numa retrospectiva, até bastante ingênuos. Posso dizer que meu coração está mais endurecido, estou um tanto quanto cético, mesmo tendo nossa luta de então tido relativo sucesso com o governo que hoje temos, ou seja, as ilusões ficaram para trás. Mas reconheço que fazem falta aqueles sonhos, aquele vigor de fazer alguma coisa, aquela capacidade de sentir-se cidadão latino-americano e se solidarizar com os outros povos, de se emocionar ao ouvir Mercedes cantar que tem tantos irmãos que não se pode contar. Sei que ainda posso me emocionar ao ouvi-la, assim como me invade uma grande tristeza por sua perda. Sei que o tempo não volta, e nem deveria voltar. Mas as emoções de uma época a gente pode sim reviver, e quem sabe tornar-se uma pessoa melhor, porque havia sinceridade naqueles sonhos, e, como disse aí embaixo, os sonhos não envelhecem.

6 comentários:

Sandra Evangelista disse...

Olá Carlos, realmente foi uma grande perda, mas com certeza ficará pra sempre na nossa lembrança. Parabéns pelo seu texto.
Abraço, Sandra.

Carlos Mercuri disse...

Obrigado, Sandrinha...

Edu M disse...

Interessante. Quando eu soube que Mercedes havia partido, eu logo pensei em ver o teu blog pois tinha certeza que vc havia escrito algo sobre o assunto.

E olha só, vc tinha escrito mesmo.

Parabéns pelo texto. Infelizmente eu não bebi nesta fonte latina da mesma forma que vc. A referência imediata de música latina na minha época era Julio Iglesias, que eu odiava como vampiro odeia a cruz. Até hoje tenho dificuldades em falar espanhol. E tudo culpa de Mr. Rúlio....

Agora quero ver vc tocar Gracias a La Vida.... :=)

Carlos Mercuri disse...

Caro Eduardo, obrigado pelas gentis palavras; vamos sim aprender Gracias a la Vida e outras grandes canções latinas, pois elas fazem parte de minha história, de minha formação.. Aguarde..

Isabela disse...

É o tal espírito revolucionário da juventude.. todo mundo diz que depois passa.. mas vocês (sua geração) conseguiram mudar o rumo da história.. tenho muito orgulho do seu passado! Quero ser igual a você! te amo pai

Carlos Mercuri disse...

Ser igual a mim? Hum.. Esse vigor e entusiasmos da juventude são tão bons, mas se a gente cultivar o otimismo eles não enfraquecem, não. SEmpre haverá uma causa a se abraçar, e agora o que mais se fala é da ecologia, meio ambiente... Não é uma luta nova, mas é uma luta que não tem fim. Mas há muito mais a fazer nesse mundo, mais importantes até que a ecologia. Como dizia Brecht: que tempos são esses, em que falar de árvores implica calar sobre tantos horrores. Não me lembro se a frase é assim, mas o sentido é esse mesmo. Então, à luta!