O Barquinho Cultural

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Um dia politicamente correto e incorreto

Cheguei ao North Beer, zona norte de SP, por volta de 14h de sábado, 10/09/11. Mesa reservada, poucas pessoas ainda. Kotscho já lá estava, vi-o entrando quando estava ainda na calçada. Entrei de mansinho, procurei uma cadeira, coincidentemente em frente à do homenageado, ao lado de Ênio. Tímido, me sentindo um estranho no ninho; algumas pessoas me olhando, outras perguntando meu nome, de onde eu era. Marisa, que me avisara do evento e me convidara, ainda não tinha chegado, e fiquei naquelas de imaginar o que estavam pensando de mim ("mas quem será esse cara?").

Foi o terceiro encontro dos leitores do Balaio do Kotscho, blogue do veterano jornalista Ricardo Kotscho, hoje abrigado no portal R7, depois de pouco mais de 3 anos no iG. Aos poucos, mais leitores chegando, puxadas de papo, me soltando, conhecendo as pessoas. Audálio Dantas, outro veterano da imprensa, me cumprimenta. Outras pessoas também. Receptivas. Ouvindo as conversas, reconheço o Ênio ao meu lado, de ler sobre ele no blogue do Renato Rovai. Fazemos os pedidos: a maioria chope, caipirinha (de vodca, mas também pinga), Ênio pede Seleta e discorre sobre a qualidade da cana de Salinas, região mineira produtora das melhores cachaças brasileiras. Diz-se cachacista, apreciador e estudioso da aguardente, uma vez que cachaceiro é o fabricante, explica. Vou de Brahma Black, mas logo depois emendo com uma Seleta também, maravilhado com a cor amarelada observada no copo de meu vizinho de mesa. Saborosa, leve.

Kotscho levanta-se e volta com um prato recheado de tentações e, como diz uma amiga minha, gordices: torresmo, bacon, cupim, costela. Claro, não resisto. Belisco e logo depois pego minha porção também no bufê, acompanhado de um grosso caldinho de feijão. O evento é organizado pelo pessoal do Boteco do Balaio, site criado por pessoas que acompanham o blogue do Kotscho e lá costumam postar comentários e se tornou uma espécie de fórum de discussão. Mais à vontade, vamos conversando. Muito papo à toa, mas também política, claro, cultura, história, jornalismo. Agora começo a me sentir um peixe no aquário, integrado, pessoas com histórias parecidas com a minha, vivências similares, modos de pensar semelhantes.

Precisava disso, contaminado que ando por ambientes pouco a ver comigo, mas que por necessidade preciso frequentar. Nada contra, não podemos nos isolar em nossos feudos. O interessante foi constatar que são pessoas que mantêm o senso crítico, não babam ovo para o povo que está aí no poder, que muitos ajudaram a lá estar. Como mencionei em um post anterior, não me sinto parte deste governo, porque nunca quis isso, e, com esse necessário distanciamento, posso até discordar de algumas coisas que aconteceram nesses oito anos e nove meses de PT no Planalto.

Mas não é sobre isso que quero falar. É sobre a lufada de ar puro que lá respirei, o estar em um ambiente do qual me isolei já há algum tempo e estava me fazendo falta. Sempre falo que os jornalistas hoje estão um tanto caretas. Pelo menos em relação aos da época em que comecei. Não fumam, não tomam pinga, não comem porcarias de botequim... muito politicamente corretos para meu gosto. Muitos nem saem da  redação mais, tudo na base do telefone, e-mail, MSN e outras tecnologias que permitem o cumprimento de vinte pautas em um dia. E lá estavam Kotscho e Audálio, entre outros, de grandes reportagens, de fôlego, como se dizia antes. Quando você podia mandar o repórter para longe e deixá-lo uma semana para voltar com uma grande matéria. O Kotscho, entre tantas outras, veio com uma que popularizou o termo "mordomia". O Audálio descobriu no Canindé a Carolina Maria de Jesus, catadora de lixo, cuja história foi eternizada no livro Quarto de Despejo, que li lá pelos meus vinte anos de idade e me marcou muito.

Sei lá, há ainda grandes reportagens nos meios de comunicação, nada de nostalgia do tipo "no meu tempo era melhor". Apenas os tempos mudaram. E ponto. Digamos que, por vivermos em um período de trevas (outra expressão bem datada), a realidade era meio escondida, e os jornalistas se esforçavam para quebrar esse bloqueio e trazer à luz que o tal milagre brasileiro era coisa para inglês (americano?) ver. Sim. Delfim fez o bolo crescer um pouco, mas já dividir... Lembra uma música que cantávamos no coral da igreja, de uma das Campanhas da Fraternidade da CNBB: "Meu irmão eu vi plantar/ meu irmão nos deu o pão/ mas na hora de jantar/ não chamaram meu irmão" (Esta mesa nos ensina). Comparações com os dias atuais ficam em aberto.

Lá, no almoço, foram feitas muitas, contadas histórias incríveis; eu ouvinte, pouco a contar, deslumbrado? Um pouco, mas mais reverente e respeitoso que aparvalhado. Afinal, em meus 23 anos de profissão, convivi com muitas feras e me orgulho disso; a gente aprende vivendo com os bambambans (e com os babacas também). Mas nem tudo lá era nostalgia, afinal, a gente vive o presente e nosso ofício exige estar sempre atualizado. O bom disso foi eu sair um pouco da toca que me impus, e voltar à rua me deu novo ânimo, vontade de escrever, de fazer coisas. Isso já se desenhou há pouco tempo, quando resolvi voltar a estudar, um curso básico de economia, na Fipe, nada que eu não já tenha visto, mas importante para desembaraçar certos conceitos e, melhor ainda, conviver com colegas e professores. Ouvir pontos de vista diferentes dos meus, discutir, aprender, sonhar com voos mais altos - meu projeto de cursar um mestrado ainda está de pé, quem sabe não consiga ano que vem...

Foi um belo sábado, concluído com a ida ao teatro, ver Trair e Coçar É Só Começar, que imagino ser um dos poucos brasileiros que ainda não a tinha visto, 25 anos que está em cartaz esse texto do global Marcos Caruso. Pena que dormi tanto na apresentação que nem acompanhei adequadamente os quiproquós em cena, mas ao final, já desperto, o ritmo estava mais agitado e permiti-me rir um pouco. Interessante foi ver um grupo de portadores da Síndrome de Down na plateia. Acho que algum instituto ou algo assim os trouxe. São adoráveis. Coincidência, quando me dirigia ao restaurante, ouvi no rádio entrevista com o criador do blogue Mano Down, Leonardo Gontijo, que conta suas experiências com o irmão mais novo, o Dudu. É. As coisas se intercalam, dizem que coincidências não existem, se conectam. O fato é que adorei este sábado. E de quebra ainda descolei uma bela dedicatória do Kotscho em seu livro Do Golpe ao Planalto, que darei de presente a minha filha Isabela, futura colega.

P.S. Por sugestão do leitor Rafael Campos, paragrafei o texto para ficar mais fácil de ler...Agradeço a sugestão.