O Barquinho Cultural

O Barquinho Cultural
Agora, o Blog por Bloga e O Barquinho Cultural são parceiros. Compartilhamento de conteúdos, colaboração mútua, dicas e trocas de figurinhas serão as vantagens
dessa sintonia. Ganham todos: criadores, leitores/ouvintes, nós e vocês. É só clicar no barquinho aí em cima que te levamos para uma viagem para o mundo cultural

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O ofício de escrever

"Hoje os anos correm muito mais / e as noites já não têm calor / E uma saudade imensa é tudo / quanto resta ao velho trovador"
(Alberto Marino Júnior)
Alguém disse certa vez que escrever é cortar palavras, dizem que é obra de Drummond, mas ele negava. Em tempos de Twitter, com o limite de seus cento e tantos toques - mas nunca respeitados, por causa dos links -, a concisão é regra. Afinal, com a profusão de meios de informação que temos hoje, ninguém tem paciência para ler textos muito longos. De modo que procurarei, nessa retomada de meus escritos, ser econômico. Como eu dizia tempo atrás, sem "nariz de cera de Pinóquio". Pra quem não é do ramo, nariz de cera era (e ainda é por aí) um texto introdutório de uma matéria jornalística sem nenhuma informação relevante.

O motivo de eu voltar a escrever é que ganhei uma nova leitora e por ter encontrado um escrito meu de 30 anos atrás, quando me metia a poeta, mas sem nenhuma técnica, apenas pensamentos livres postos no papel, no afã de expressar o que a mente inquieta elaborava. O texto é enorme, quatro páginas de caderno universitário, em letra de forma. Não me lembro do contexto em que o escrevi, mas era um tempo em que vivia angustiado, conhecendo a realidade do mundo e me indignando com as coisas além dos limites do lar.

Tinha muita vontade de me manifestar, mas a timidez me podava a desenvoltura, e o veículo certo para isso era a escrita, daí ter optado pelo jornalismo, na esperança de pôr meu texto a serviço de alguma causa. Sei lá, passados 23 anos de profissão, se o que escrevi até hoje mexeu com a cabeça de alguém, mas percebi que aquela ideia inicial era fantasiosa, afinal, a imprensa tem um papel bem delimitado na sociedade e, enfim, sempre reflete o pensamento do dono do veículo, não de seus artífices. Como não me tornei nenhuma referência no jornalismo, não tenho o privilégio de escrever, profissionalmente, sobre o que me der na telha.

Mas é o ofício, afinal. Para o resto, esse blogue dá conta do recado (em termos, como disse à minha nova leitora). Mas o texto daquele 7 de agosto de 1981 é caudoloso porque tinha muito o que falar, e pouca coragem de dizer. Tinha um ambiente propício, amizades fortes, mas nem tudo a gente consegue expressar falando. Então escrevia, mas poucos liam. Angústia de quem escreve é a falta de leitor. Exercício solitário.

Imagino que tenha sido uma das minhas últimas tentativas de escrever livremente, a partir de lá, o escrever tornou-se ofício e, pior, muitas vezes reescrever o trabalho dos outros, ou os corrigir, que foi por onde comecei. Mas rever esse texto e outros papeis que encontrei em minhas arrumações de apartamento novo me remeteu àquele tempo de 20 anos de idade. Nelson Rodrigues escreveu que o homem guarda o menino dentro de si. Concordo, mas ando procurando esse jovem dentro de mim e o vejo muito distante.

Nunca senti muito o avanço dos anos, sempre me mantive jovial, com uma alegria de viver e conhecer que não percebia o tempo passar. Só quando se depara com coisas como esta que se dá conta de que o menino acabou ficando lá dentro mesmo, escondido em algum canto do ser. Se naquele tempo escrever solitariamente era meu modo de botar para fora o que me assombrava, hoje o que me assombra é ter visto tanta coisa que a indignação foi substituída por uma sensação de indiferença, de imobilismo, diria até de um certo niilismo, em sua concepção mais ordinária. O escrever tornou-se meio de subsistência, a revolta virou complacência, as relações humanas cada vez mais virtuais, o convívio trocado pela solidão.

Como dizem os versos ali em cima, do pai de minha nova amiga/leitora, a vida hoje está muito acelerada, os valores que prezávamos são postos ao chão a toda hora, e nem sempre conseguimos incorporar os novos. Se fosse reescrever esse texto de 30 anos atrás, talvez muito pouco se aproveitasse, mas o importante é que permanece como retrato de um momento da vida que é sempre bom relembrar, para não me deixar dominar pelo homem mais frio que, se deixar, não reconhece mais o menino de ontem. E gosto dele, apesar de sua tamanha ingenuidade.