O Barquinho Cultural

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dessa sintonia. Ganham todos: criadores, leitores/ouvintes, nós e vocês. É só clicar no barquinho aí em cima que te levamos para uma viagem para o mundo cultural

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Festa SOM△MOS

Mariana Degani e Remi Chatain tocaram em 15/11/14 na Festa SOM△MOS, com as músicas de seu primeiro trabalho solo, Furtador (lançamento em breve) no Espaço Soma Yoga & Ayurveda, na Vila Madalena, SP, que teve ainda a exposição AUE - Amor, União e Espiritualidade de fotos da Índia, de Débora Frida, e comidas saudáveis de Lila Prasada e produção de Gabriela Fongaro S. Leite. O Blog por Bloga esteve lá e fez a cobertura fotográfica:


Leia também: Entrevista de Mariana Degani ao Blog

Exposição AUE - fotos de Débora Frida



Débora Frida

Carolina Cruz e Gabriela Fongaro S Leite
Débora Frida e Carolina Cruz

Remi Chatain e Mariana Degani - Espetáculo Furtacor











sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Mariana Degani: Porque cantar aumenta o mundo



Cantora, compositora, ilustradora, estilista: Mariana usa todos esses recursos em seu trabalho (foto: Carlos Mercuri)


Mariana Degani diz que aprendeu a cantar com Adoniran Barbosa e Cartola, antes mesmo de começar a cantar. A paulistana de Vila Madalena primeiro foi estudar moda, formou-se estilista, mexendo com o vestir. O pano se torna uma das superfícies para seu outro talento, o de ilustradora. Com a parceira de faculdade Verônica Alves, abecediana de Mauá, atualmente radicada em Curitiba, são as Pupillas, duo de ilustradoras que pinta telas, muros, caixas d’água, objetos, peles...

O cantar surge em rodas de samba pela noite, com os amigos, um impulso vindo de dentro, do ouvir nosso som primordial nas vozes de nossos compositores e intérpretes fundamentais. Não deu outra. Lá estava ela à frente de uma banda de oito, o Loungetude46, nome que remete à longitude de São Paulo na carta geográfica, assumindo os vocais. Dois discos, turnês pela Europa, e a ideia, a necessidade de partir para um trabalho solo. Na verdade um duo, com o companheiro Remi Chatain, músico da Trupe Chá de Boldo.

O projeto solo/duo vem com a junção de todas as habilidades dela e de Remi: música, canto, imagens, roupas, cenário... As canções têm um clima intimista, o cantar vem de uma voz suave, aveludada, as letras falam de sensações, observações do cotidiano, de lugares, de fatos... Melhor ela mesmo explicar: “Ilustrar aumenta o mundo” (Verônica Alves e Mariana Degani):




Escrevo,
pra deixar desviar dos ombros meus
O viver peso-pesado ao qual
Eu me destino e invisto

Caso contrário, me ferindo bem fininho
E como mão adormecida eu peso
Ilustro pra saber que quando ardo
Algo vai pra luz
Resfrio, sorrio, curo.

Ela e Remi agora estão produzindo o resultado dessa parceria, o disco “Furtacor”, que deve ficar pronto no começo do ano que vem. Enquanto isso, alguns clipes podem ser vistos/apreciados/degustados. Estão no Youtube:

“Canto às vadias”é resultado da compreensão de Thiago Bandeira, após insistentes tentativas de Mariana, das Marchas das Vadias.




“Ser Tão” veio da viagem dela e de Remi ao Nordeste. Captaram imagens em Canudos, de onde a paisagem desértica remeteu a Fernando Pessoa (Tudo quanto penso/Tudo quanto sou/É um deserto imenso/Onde nem eu estou). A canção veio depois:





Na entrevista concedida em 6 de novembro de 2014, em seu aprazível apartamento em São Paulo, ao blog, Mariana fala de suas origens, inquietações, de política, feminismo, jornadas de junho, viagens e projetos:

Blog por Bloga: Como você se percebeu gostando de música, de cantar, de criar, além da questão da abstração, da questão do visual?

Mariana Degani: Bom, eu gostava já do cantar, então pra mim foi muito prazeroso. Eu não tive uma
educação... No Loungetude, por exemplo, todos os músicos são músicos desde sempre, e eu era... tipo: ‘cheguei agora, vamos lá’, comecei a cantar. Aí é que eu fui buscar um respaldo e fui fazer aula de canto e aí outras coisas. O prazer pelo cantar sempre existiu. Com o Remi, que é produtor musical, a gente começou a fazer umas coisas de produção, de gravar no estúdio. Coisa que aí até saía, mas eu ficava supernervosa...

Bloga: Coisas de vocês...

Mariana: É, trilha... É legal que, assim, a Verônica, que é a outra Pupilla, a gente foi amiga na faculdade, mas nem tanto, e no último ano foi que a gente ficou mais amiga e, embora a gente não tenha feito muitos trabalhos junto, a trilha sonora do desfile dela foi o Remi que fez e eu gravei “Eu sou neguinha”, do Caetano, a gente fez uma viagem, sem marcação de tempo, coisa louca, e foi uma coisa que eu adorei fazer, era uma música que eu gostava, e a gente transformou-a numa outra coisa e isso virou a trilha do desfile da Vero. Foi quando eu comecei a pensar nisso. E foi muito do Remi assim, também, que foi indo, vamos lá, e aí a gente decidiu formar o Loungetude46... Foi legal.
Vocalista no Loungetude46 (foto: Facebook)


Isso já me colocou na frente do Loungetude, como essa frontwoman, porque eu não toco nenhum instrumento. Foi muito legal... No início pra mim foi uma coisa muito doida, porque o palco era algo que me... Sou tímida, supertímida, eu chegava no começo e era um negócio meio forte pra mim. Eu sou aquela que, antes do show você vai me encontrar pendurada, montando, carregando luz, não sei o quê, no último momento é que eu vou, me troco rapidinho, faço maquiagem, uma massagem aqui...

Eu adoro produção, pra mim isso já é parte. E aí o cantar era o final de tudo isso, que tinha uma coisa muito legal, mas no início era meio dolorido. Aí foi muito bom porque o tempo foi passando, a primeira turnê que a gente fez foi pela França, foi quando eu ultrapassei a arrebentação. Tem um vício meu: eu fico às vezes um tempo sem fazer show e vou no show das pessoas e fico querendo estar lá...

Bloga: E como é que pintou esse negócio de Europa, de França?

Mariana: O pai do Remi é francês, então a gente tem essa relação com a França, de amigos, músicos, essa coisa de vez em quando visitar o pai, vó e tal. A gente começou a fazer, sempre foi um trabalho independente, de formiguinha mesmo, entrar em sites, procurar, fazer listas, juntar nomes, lugar, prefeituras, não sei o quê, e fazer esse trabalho, mandar e-mail, tentar fechar show. E dessa forma a gente fez. Na primeira turnê a gente passou dois meses, fez 25 shows...

Bloga: Na França?

Mariana: Na França, em Londres...

Bloga: Isso foi em...

Mariana: 2011. Em 2012 a gente foi de novo e ficou só um mês, na verdade 20 dias, e fez 12 shows. É uma coisa que rola, mas que também rola porque a gente batalha. [Leia aqui texto dela sobre a turnê europeia com o Loungetude46]

Bloga: E como é que foi a receptividade?

Mariana: Demais. O povo francês adora o Brasil e eles conhecem muito a música brasileira. Muitas vezes eles estão acostumados a ouvir essa música brasileira de exportação, o “Garota de Ipanema” [Vinícius de Moraes e Tom Jobim] e eles são muito curiosos pra novidades. Estão muito acostumados a ouvir “Garota de Ipanema”, um monte de banda faz isso lá, então para coisas novas o francês é muito curioso, muito respeitoso. A diferença lá... É engraçado: aqui a gente vê uma banda tocando e o silêncio lá é muito maior do que aqui.

A gente tem alguns lugares, como a Casa de Francisca, que a hora que começa o show o bar para de atender e a gente só assiste à música. Muitas vezes têm shows, mesmo no Mundo Pensante, um lugar superlegal, onde tem shows, muitas vezes a pista, as pessoas dançando, mas já teve a Ná Ozzetti, a família Ozzetti lá tocando e a galera conversando. Foi até um momento muito bonito que aconteceu lá, que teve a intervenção do Remi, que trabalhava lá na época e falou, interveio: ‘A gente está recebendo aqui nada menos que a Família Ozzetti. Eu queria pedir pra quem estivesse a fim de bater papo que vá lá fora; quem quiser ficar aqui dentro, respeito’. E aí foi um momento de as pessoas chorarem e depois ficou silêncio até o fim da noite.

É um negócio que as pessoas nem fazem de propósito, não que elas estejam pouco se fodendo, é uma outra forma de enxergar a cultura. Então é muito legal lá, o retorno é muito bom. Este ano eu estive lá de novo, fomos no meio do ano.

Esse projeto solo a gente lançou em abril, e fez um show no Mundo Pensante, estava cheio. Depois a gente não fez mais aqui e em junho fomos para a França e fez uma turnê, passamos dois meses lá, fizemos uns 14 shows. Pra mim é meio que um ideal desse novo show. Eu tenho projeção, tem cenário, então eu levo tudo o que falo que é meu cirquinho, essa mala aqui, que são os tecidos, os figurinos, tem o projetor...

Bloga: Os figurinos é você também que faz, e as ilustrações, toda a parte de produção musical?

Remi no Estúdio Sofá Vertical (foto: Carlos Mercuri)
Mariana: Sim... A gente produz os vídeos, é algo que a gente faz em dupla, trabalha muito junto, todos os processos. Mesmo minhas músicas, eu componho muita coisa, jogo na mão dele. A gente vai trabalhando junto, tem aqui o estúdio, a gente trabalha muito aqui. Essa ideia de que o trabalho é a dois, a gente viaja e está trabalhando. Esse clipe do “Ser Tão” [Mariana Degani e Fernando Pessoa] que a gente lançou esta semana, a gente fez uma viagem no ano passado pelo Piauí. Fomos até Teresina e alugou um carro e de Teresina a gente foi até Pernambuco, Bahia e voltou. Foi muito legal. E a gente estava lá, olhando para aquela paisagem e resolvemos fazer o vídeo. A gente queria fazer um clipe, mas não tem música, então decidimos fazer um clipe e depois fazer a música. Então muita coisa surge desses processos.

Bloga: Mais assim você perceber o que está ao redor e aí vai saindo. Agora, você está falando de suas inquietações, como você vê o mundo... O que você pensa desse mundo, como é que você se vê nesse universo conturbado?

Mariana: A gente está vivendo, sempre viveu momentos conturbados. Tem momentos em que as coisas estão mais inflamadas. E hoje a gente tem muita coisa pra se chocar, se desesperar, está o Datena [José Luiz Datena, apresentador do ‘Brasil Urgente’, da TV Bandeirantes, de São Paulo, programa que traz reportagens sobre crime e violência] a tarde inteira falando na TV e a gente não vê, por exemplo, um programa falando dos caras que estão fazendo coisas incríveis pelo mundo, pequenas revoluções, esse tipo de coisa a gente não sabe. No Facebook de vez em quando você vê uma imagem de um cara X, mas a gente é muito mais estimulada por esse lado catastrófico da violência...

Bloga: Que é uma coisa que a grande mídia quer levar, mas há outras alternativas...

Mariana: Sim, e eu acredito que, como artista, seja visual, música... Primeiro que eu não separo artista e obra, não consigo me separar, a arte é tão consequência do que se é... Acredito muito na importância do artista como porta-voz seja lá para o que ele achar. Hoje a gente tem o Lobão [João Luiz Woerdenbag Filho, cantor, compositor, escritor; disse que sairia do Brasil se a presidenta Dilma Rousseff fosse reeleita; não saiu], um artista defendendo seus ideais. Enfim, acredito na importância disso, sim. Mas, sobretudo, eu vejo que o meu trabalho, tanto musical quanto visual, penso nele como um processo de cura...

Não é nem falar sobre o amor, sobre o bem, mas propor questionamentos e fazer as pessoas pensarem que existem, sim, muitas outras formas de fazer tudo nesse mundo. E é engraçado porque, ultimamente, eu me posiciono politicamente, e faz muito tempo que eu não quebro pau com ninguém. Esse junho do ano passado me fez muito mal. Ficava lá brigando com as pessoas, umas lá falando umas coisas absurdas, culpando o cara que está cego porque tomou uma bala no olho. Hoje em dia eu busco mais esse diálogo, e de vez em quando você vai dialogar com gente que acha que são mais importantes os juros e o dólar do que a quantidade de pessoas que comem no país. A gente vai o tempo inteiro lidar com isso. Eu busco esse processo de microrrevolução, que acredito que essas são as verdadeiras revoluções que estão acontecendo e as pessoas estão fazendo nas suas casas, independente do candidato delas pra presidente.
Tranquila, mas revoltada: microrrevoluções (foto: Carlos Mercuri)

Bloga: Esse momento foi bastante polarizado, houve até radicalizações de parte a parte, mas acho que há um caminho no meio que não precisa se exaltar. Afinal, o que a gente busca né?

Mariana: Sim, exatamente...

Bloga: Acho que a política, o processo eleitoral, é um meio, mas não é o fim. E você vê a arte por aí também, como uma maneira de você dizer alguma coisa. Porque você parecer ser uma pessoa bastante tranquila...

Mariana: É meio isso. Eu sou supertranquila, mas sou super-revoltada também com um monte de coisa, entendeu?

Bloga: O que lhe revolta?

Mariana: Tantas coisas... As questões sociais, as questões da mulher. De gênero...

Bloga: Como você vê essa questão de gênero? Apesar de não ter sido, tirando a Luciana Genro [candidata a presidente da República nas eleições de 2014 pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, teve 1.612.186 votos, ficando em quarto lugar na disputa] que trouxe a questão, mas a questão passou um pouco (batida no debate eleitoral este ano)...

Mariana: Eu acredito nisso: viva sua vida e deixe-me viver. Se você é contra dar o cu, não dê o cu; se é contra o aborto, não aborte; se é contra o casamento gay, não case com um homem. Pra mim é simples assim o mundo...

Bloga: Viva e deixe viver...

Mariana: Sim. As coisas que me revoltam são essas. Você vê muita gente revoltada, mas a vida dela está boa, mas ela está lá dentro de uma passeata contra o casamento gay, entendeu? Não vai mudar em nada a vida dela. Seja contra isso, seja contra o Bolsa Família. Tem também as pessoas que estão comendo bem, viajando uma, duas vezes por ano fora do Brasil, com seus carros importados sempre novos e que acham um absurdo as pessoas que estão vivendo do Bolsa Família. Elas falam que hoje em dia está difícil arrumar um porteiro que queira trabalhar porque ele é vagabundo e recebe o Bolsa Família. Então, seu salário está baixo, porque o Bolsa Família também não garante quase nada, então repensa aí seu salário, se ele não está querendo trabalhar...

Bloga: Você andou aí pelo sertão, já conhecia essa parte do Brasil?

Mariana: Não conhecia.

Bloga: Foram de carro?

Mariana: A gente foi de avião até Teresina e lá alugamos um carro, e foi legal, fizemos 2.500 quilômetros, que a gente desceu e depois subiu de novo.

Bloga: Chegou a navegar pelo São Francisco? Pegou aquelas gaiolas?

Mariana: Não, na verdade a gente nadou. Inicialmente nossa viagem era para São Raimundo Nonato, na Serra da Capivara, queria ir onde tem aquelas pinturas rupestres, ia ficar uns dias ali, e foi muito doido, porque foi chegando um momento em que eu comecei a ter uma necessidade de água; fomos descendo... Não sei se foi no primeiro ou segundo dia; acho que no primeiro dia a gente fez a viagem até São Raimundo Nonato. Estava meio sem pressa, a gente gosta muito de viajar assim, até dou uma olhada, vejo os lugares, mas a gente não gosta de fazer planejamento. Eu amo o acaso, adoro decidir as coisas na hora, adoro não ter reserva. Chegar e dizer: ‘eu gosto desse hotel’.

Então no meio disso a gente mudou o trajeto e chegou uma hora em que eu falei ‘eu preciso ir pra praia’, porque naquele São Raimundo Nonato você anda... Sabe quando você faz trilha? Eu já fui, por exemplo, para a Chapada dosVeadeiros. Você faz uma trilha de cinco horas e chega numa cachoeira maravilhosa e no Piauí isso nunca acontece, chega num lugar e... nada. Aí chegou uma hora que eu falei ‘vamos para o rio’, e aí a gente decidiu ir para o rio São Francisco e fomos para Petrolina, e ficou por ali, Petrolina, Juazeiro. Foi uma viagem curta, na verdade, passamos oito, dez dias no máximo. E teve esse dia que a gente tirou para ir até Canudos para fazer essa viagem...
Bloga: Então quer dizer que está seco e revelou a comunidade...

Mariana: A Canudos original foi inundada em 1960 para virar uma represa, então mudaram Canudos, que ainda existe, só que falaram: ‘agora é aqui’. Não tem nada, é um lugar que é muito louco, porque é um parque estadual, você paga quatro reais para entrar, pode até chamar um guia pra ir junto, mas não tem por que, eles te dão um mapinha, mas não tem onde se perder, porque é uma coisa desértica, são morros desérticos, tem alguns momentos que você chega aos lugares onde aconteceu alguma coisa, mas é no meio do nada, não tem ninguém e a gente ficou perdida no meio do deserto.

O Brasil está em obras (foto: Carlos Mercuri)

Bloga: Mas tem toda uma sensação que você recebe...

Mariana: É maravilhoso, porque você sente a história ali...

Bloga: É muito interessante porque, quando eu fui fazer essa viagem, quando me casei, e pegamos aquela gaiola a lenha, e ela vai parando nas cidades, e vira atração na cidade... Quando a gaiola chega, vem toda a comunidade dentro dela, os caras vêm lá tocar forró, vender coisas, é muito interessante. Aquelas comunidades distantes, aquele pessoal carente, mas é uma alegria, felicidade...

Mariana: É muito legal, a gente deu carona pra pessoas, elas têm o hábito de pedir carona na estrada. O dia que a gente foi pra Canudos, 250 quilômetros para ir, mais 250 pra voltar... E muitas vezes em estradinhas, que são maravilhosas, as estradas no Piauí... A gente não pegou um pedágio nem um buraco. Pelo menos a hora que você vira à Bahia aí é um negócio que você não acredita, está bem detonado. Mas no Piauí foi muito surpreendente isso. De fato aqui no Sudeste, como classe média, em São Paulo, você não consegue ter uma visão tão clara das coisas mudando. Mas no Piauí foi muito legal fazer essa viagem de carro porque a gente anda nos lugares mais no meio do nada e via um monte de cisternas... [Clique aqui para saber mais sobre o programa ‘Água para Todos’].

O Brasil está em obras, aquele lugar ali está em obras. Mesmo essa cidade, São Raimundo Nonato, de cinco anos pra cá, aumentou em 60% a quantidade de casas que existiam na cidade. As pessoas agora saíram da casa da mãe e construíram a casa do lado. Você percebe esse trabalho que é de formiga, que é mudar uma sociedade, como eu disse, eu acredito em microrrevoluções, porque não adianta chegar a Dilma ou o Aécio ou a madre Tereza de Calcutá porque não vai fazer assim e tudo vai se resolver... Mudar uma sociedade... É claro que todos eles poderiam fazer muito melhor do que já fazem, mas...

Bloga: Tem que ter também o próprio cidadão...

Mariana: É, existe um tempo que é necessário. Mesmo essas questões LGBT... Eu sou muito otimista em relação a isso quando eu vejo essas gerações, essa molecada de 20 anos hoje em dia, que, pra eles, nem é mais uma questão. Então acho que a coisa se transforma... Todo mundo tem um amigo que é gay e adora o amigo que é gay, a amiga que é lésbica. Você vê essas gerações mais novas e é muito legal perceber isso. Claro que, como tudo, têm as melhoras, as pioras...

Bloga: Só que tem gente querendo o retrocesso, que voltem ao militares no poder...

Mariana: É, você vê uma galera de 20 anos gritando loucamente isso. Eu achei ótimo que eu vi uma moça na manifestação pelo impeachment da Dilma que na mesma cartolina ela escreveu ‘intervenção militar’ e ‘liberdade de imprensa’. Achei ótimo, uma pessoa...

Bloga: ...esclarecida...

Mariana: Ela não sabe o que está falando. Eu não sou petista, já acreditei muito mais no PT do que acredito hoje... Podemos falar um monte de coisas, de vários problemas do PT. Agora, uma coisa que eu não consigo entender muito são as pessoas que reclamam de falta de liberdade hoje em dia, falam que não têm liberdade, e eu queria entender pra quê?  Porque talvez elas não tenham liberdade para odiar uma pessoa e para bater numa pessoa; elas não têm liberdade para semiescravizar um empregado morando na casa dela num cubículo desse tamanho, né? Que é muito das reclamações que rondam. Muitas coisas me revoltam, mas eu acredito nas microrrevoluções. Meu trabalho tem a ver com dialogar com isso de várias formas.

Bloga: Falando em trabalho, como é que está o “Furtacor”? Como está sendo, o que você está colocando lá, como está o processo? Gravando? Quando sai?

Mariana: O “Furtacor” começou de algumas composições que a gente começou a criar no começo de 2013, quando a gente deu esse tempo no Loungetude e já começamos a pensar em umas músicas, ‘vamos fazer um projeto’, e o Remi sempre me estimulou muito a ter esse projeto solo, ele que sempre foi muito da produção, sempre falou das minhas ilustrações, de criar esse universo que estou criando o tempo inteiro, que é minha casa, que são todas as coisas que eu faço. E a gente começou a escolher umas músicas. Com o tempo, do final do ano passado para este ano eu comecei um trabalho maior, percebi que a gente tinha algumas músicas de uns, de outros, comecei a sentir necessidade de parar para pensar no que eu estava querendo dizer com meu trabalho, como essas músicas se relacionam.

"Furtacor", projeto solo com Remi, sai ano que vem (Foto: Carlos Mercuri)


Eu acredito que um disco tem que ter músicas diferentes, mas ao mesmo tempo é uma coisa só, então, como construir esse todo. E nisso fui sentindo necessidade de compor outras coisas, outras coisas foram surgindo, a gente foi tirando o que já tinha. Já começou a gravar esse disco no começo deste ano. Como a gente grava aqui, a gravação e o processo vão acontecendo meio juntos, chamamos alguns amigos para participar do disco, embora até então a gente ainda se questionava sobre esse formato, como a gente funciona nos shows; se a gente ia ter uma banda, chamar mais um músico, dois, e nisso a gente já estava fazendo o disco.

A gente foi para a França e lá foi interessante porque chegamos à conclusão que, na verdade, a gente tem que fechar nessa dupla mesmo, nesse formato a dois, porque é mais viável, cabe dentro de um carro, porque eu quero tocar em Pindamonhangaba, em Paris e na Bélgica, e sei lá onde mais. A gente começou a criar novos jeitos de construção da música.

O Loungetude tinha muitos elementos, vários instrumentos, e a gente começou a pensar nesse trabalho como ele poderia ser preenchido, mas já sabendo que ele surge de uma concepção mais minimalista. Eu não toco instrumentos, estou começando agora a me aventurar por conta desse projeto. Até então não estávamos trabalhado com bateria, agora a gente está com uma bateria eletrônica, que a gente grava os ciclos e vai construindo a música ao vivo. Então a gente chegou a essa conclusão que vai ser mais esse formato a dois e quero sempre ter convidados, porque eu adoro.

A gente está agora terminando. Entraram duas músicas recentes, ainda tem que gravar essa parte, mas até o final deste ano eu quero fechar todas as vozes, e aí a gente vai num estúdio legal para gravar. Até então, aqui, a gente está gravando tudo que é em linha: guitarra, o pianinho, mas o violão e voz a gente vai gravar agora em dezembro e a ideia é lançar esse disco no ano que vem.

Bloga: Você pretende lançar disco mesmo, formato CD? Mas também em outros formatos?

Mariana: Sim, eu quero lançar na internet, mas eu adoro pensar nesse grafismo, nesse projeto...

Bloga: É uma coisa que falta nesse mundo digital; a arte você até pode baixar, mas não é a mesma coisa...

Mariana: Não é a mesma coisa.

Bloga: Você gosta de vinil? Tem ideia de botar em vinil também?

Mariana: Eu adoro vinil, eu não tenho vitrola, por isso eu acabo não procurando isso, mas acho que pode ser algo bem interessante, adoro essa ideia, o formato, a sonoridade.

Bloga: Estão resgatando, muita gente está lançando CD e vinil e iTunes...

Mariana: Pois é, eu não tenho toca-discos...

Bloga: Mas lá na Santa Ifigênia você acha... Eu tenho lá, não me desfiz de meus discos, porque muita coisa não saiu em CD, e acho bárbaro. E shows, como você está, apresentações, como está de agenda, você tem alguma coisa fechada para a gente já adiantar para a galera que vai ler?

Mariana: Sim, estou com dois já confirmados, que são agora no dia 15 de novembro, na Vila Madalena, na rua Fidalga, tem um espaço de yoga e ayurveda e a gente vai ocupar a garagem e a calçada e as vagas e eu quero montar o show lá... [ver aqui]
Bloga: Como chama a escola?

Mariana: EspaçoSoma. A gente está terminando de fechar DJ, vai ter DJ, comida, vai ser um evento com entrada gratuita, e o show. Ainda não fechei, mas em breve vai rolar também esse show no centro de São Paulo, no Paiçandu e no largo São Francisco. Até estou indo pra lá depois, tem uma reunião.

Bloga: Será ao ar livre?

Mariana: São essas praças, esses decks que estão no centro, da prefeitura, então também serão abertos, ao ar livre. Meus shows sempre acontecem à noite, porque eu preciso de escuro. E dia 22 de dezembro vai ter a festa no Circo no Beco, não sei se você conhece, na Vila Madalena, o Beco do Grafite, ali perto da Inácio Pereira da Rocha, e é um lugar que há anos toda segunda-feira tem um encontro do circo de rua de São Paulo, é bem conhecido, e aí tem a rua e aí tem o último encontro deles do ano e eu vou tocar lá, vai ser aberto também.

Bloga: Mais alguma coisa que você está planejando em termos de visual? As suas ilustrações você expõe, tem exposto?

Mariana: A gente fez uma exposição agora no meio do ano, em junho, a gente fez a turnê e eu fiz uma exposição em Lyon; a Vero também foi pra França e ficamos numa galeria por lá. O meu trabalho como ilustradora é superamplo. Daqui a duas semanas estou indo pra Curitiba fazer um evento, vamos fazer uma pintura na rua. Faço muita coisa gráfica. A gente voltou dessa exposição na França e está agora buscando lugares para expor. No começo do ano, em maio, a gente participou de um edital e pintou uma caixa d’água no Sesi de Mauá. Enfim,  nosso trabalho acaba acontecendo de muitas formas.
Com Veronica: pintando caixa d'água

Bloga: Pupillas é isso, então, você e a Verônica...

Mariana: Isso, Pupillas é uma dupla e a gente faz vários tipos de coisas, a gente se define como ilustradora e acaba fazendo o trabalho em várias áreas porque a gente faz ilustração de superfícies...

Bloga: Inclusive pele...

Mariana: Inclusive pele.

Serviço:

Próximas apresentações de Mariana Degani e Remi Chatain:

O que: Festa SomAmos: O evento conta com uma exposição da série fotografias “AUE – Amor, União e Espiritualidade”, da fotógrafa Débora Frida, e show de Mariana Degani
Onde: Espaço Soma Yoga & Ayurveda - Rua Fidalga, 373, Vila Mariana
Quando - 15 de novembro de 2014, às 19h30 (ou quando o sol se puser totalmente)
Quanto: Grátis

O que: Festa Circo no Beco
Onde: Beco do Grafite – Rua Belmiro Braga, 186, Vila Madalena
Quando: 22 de dezembro, à noite
Quanto: Grátis

Mariana Degani no Soundcloud: https://soundcloud.com/marianadegani

Ouça abaixo o áudio da entrevista: 






terça-feira, 30 de setembro de 2014

Ela tem o dom: Juliana Lima

Ela era Gyulyana. Tinha 14 anos em 1997 e procurava um amor. Esse era o título de seu primeiro disco, e da música de abertura, “Procuro um Amor”. Pela leveza e emoção que transmite em suas canções, parece ter encontrado. Pelo menos o amor de seu fiel público ela alcançou. E me incluo nele.

Infelizmente, nós, pobres seus admiradores, não temos acesso a essa primeira obra, nem às duas seguintes, “Raios de Sol”, de 2002, ainda como Gyulyana, e “Tudo & Mais”, de 2004, já como Juliana Lima. Isso porque ela quer corrigir alguns detalhes técnicos dessas gravações antes de levar de volta ao mercado.

Mas temos “O Dom”, de 2007, e “Aquariana”, de 2013, aí para conferir a sua voz suave, a delicadeza de suas composições, os arranjos precisos, a emoção brotando de uma voz singular, um timbre que a diferencia e a identifica. Esses discos estão disponíveis nas apresentações que ela faz nos bares e casas de São Paulo e do ABC, em seu site, no i-Tunes e no SoundCloud.

Juliana cresceu ouvindo o pai, seu Elias, tocando violão em casa e, como toda criança, gostava de cantar, brincar de música... Mas ela tem o dom. Estudou instrumentos lá pelos dez anos. E, depois de uma apresentação na escola, um trabalho rotineiro que ela e seus amigos resolveram fazer em forma de show, alguém sensível compreendeu que ali estava bem mais do que uma simples diversão. Havia talento...

Assim nasceu, em Santo André, a cantora e compositora, agora autora de mais de 350 canções, cinco discos gravados, muitas outras ideias já transformadas em músicas, aguardando o momento certo para levar ao público.

Muito nova para sair em apresentações com a banda que integrou nesses verdes anos, parou um tempo com a música e foi trabalhar em uma ótica. Não durou um ano para que a música falasse mais alto e ela resolvesse que seria disso que faria sua vida. E não parou mais. Já são 17 anos de estrada, de palcos, e agora ganha o mundo. Com apresentações agendadas pela América do Sul e Central.

Estudou musicoterapia. Interessada em dominar todo o processo de criação, foi atrás de aprender a gravar suas obras, estudou gestão de projetos culturais e vai agora mexer com técnicas de estúdio. Enfim, quer ser senhora de sua produção.

Ouvi-la é mergulhar em um universo onírico, é ouvir falar de amor sem rancor, com algum sofrimento, mas sem o edulcorado falso dos que querem enganar a si e aos outros com a ilusão de que não se pode rimar amor e dor.

“Hoje eu quero devaneios, amanhã não sei”

“O Dom” é um disco espontâneo, que passeia por vários ritmos e estilos. A voz dela está cálida, forte, projeta e transmite algum sentimento preso que não se manifesta senão pelo cantar. As letras falam de coisas duras, de solidão, desamores... Coisas que só ela pode saber.

“Mais valeria ser louca / Por que a vida é tão corriqueira”.

“Teremos paz / ou seremos inconstantes?”

“O mundo anda tão complicado”,

“No vazio da casa sei que não estás”

“Morre um amor / Hoje e para sempre”

“Estou cercada por montanhas de concreto / Que impõem um veto em meu mirar”

“Esse mundo me assusta”

“Será que vale a pena / Viver sem existir”...

Mas há ternura em versos esculpidos nas pedras perenes do coração:

“O que faço para não me perder / Por esses passos?”

“Flores são belas / Mas é fria a mais bela das flores”

“Em meio à ventania parto”

“Olhe, já escureceu /Mas teu sorriso não sai da lembrança”...

E alguma revolta:

“Tô de saco cheio dessa massa de bananas”

“Estou farta das orgias / Não era essa a vida que eu queria”...

Até fechar com o recado e o pedido para a entrega total:

“Pensa em não fazer mais nada / Esquece a hora esquece tudo”.


“Percorri teu corpo com o meu”




Dois anos após o lançamento de “O Dom”, uma música dela, que não está nesses discos, entra na trilha de um curta-metragem, “Ópera de Arame”, uma produção da Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André. “Mesmo sem te ver”, a canção, traz uma interpretação arrebatadora, um arranjo com cordas que traz um clima que nos leva a mergulhar de cabeça e olhos fechados em uma paixão...

Mesmo sem te ver, decifrei teu corpo / num momento febril e louco / não pude conter / minha sede de te ter completamente / e entender perfeitamente / que palavras podem negar”.


“Ser feliz é um mar”

“Aquariana” é lançado seis anos depois de “O Dom”, e nos apresenta Juliana em uma fase de voos mais altos, como ela mesma define. A voz está mais cristalina, as músicas são mais alegres. O amor que procurava desde os 14 entrou em seu coração? O título remete ao seu signo zodiacal, caracterizado por pessoas “com a mente no futuro, desencanadas, que adoram a liberdade”.

Os temas não deixam de tratar de amor, mas amor vivido com alegria, que permite ver a felicidade em elementos simples como uma “brisa leve”, o “velejar nas ondas da imensidão”, na certeza de que “o amor chega no dia e na hora marcada”. Há espaço para lembrar da infância, do tempo em que ela “queria ser apenas uma menina sem ter que crescer”. E repete “O Dom”, também em espanhol: “Põe de lado / Pressas, medos e receios / Mas pare, pense, ouça e sinta”.

Cita nossas escritoras impagáveis: “Quero Adélia, Hilda e Clarice / Essas mulheres em mim”, e pergunta na faixa-título: “Será que há uma maneira de a rotina não virar tédio? / Ou uma chance de o tédio não sufocar a paixão?”.

Mas há a decisão de romper com o que não traz felicidade: “E a partir de agora eu pulo até mesmo do abismo / Até sentir a brisa do infinito”. Porque “enquanto não sonhava / Eu não era nada”, e, como sonho que se sonha junto não é sonho, é realidade, “Venha comigo e me dê a mão / Cante comigo mais esta canção”.

Volta ao mergulho na paixão, na certeza de que o amor não precisa razão: “Em ti vou me perder / Sem medo e sem pudor / E hoje sei que sem você / O céu já não tem cor”.


“Confie em mim”


“Aquariana” será registrado em DVD, com gravação marcada para o dia 31 de outubro, no Ton Ton Jazz (alameda dos Pamaris, 55, Moema, São Paulo). Quem quiser fazer parte dessa apresentação pode obter os ingressos em suas apresentações nas casas em que ela toca ou pelos telefones (11) 97258-1676 e (11) 2829-3935.

Juliana Lima toca com alguma frequência em lugares como o Bricabraque, S.A Clube, Forneria Itália, Benedita’s... É só acompanhar a agenda em seu site.

E ainda tem a nova proposta, o trio “Beijo de Moça”, com AnaWick e Cacá Molgora. As meninas levam o mais puro som regional, com xote e baião, em um formato que vem ganhando fãs a cada apresentação.

Aqui, a íntegra da entrevista que Juliana concedeu ao blog, em uma sexta-feira chuvosa, no charmoso bar e restaurante Benedita’s. Com direito a uma palhinha de uma canção inédita, “Bala de Canhão”, um toque de revolta por esse mundo violento (complicado?) e uma certa comodidade de todos nós. Sim, Juliana tem sangue na veias. E o dom de nos fazer chorar sem sentir dor...





Blog por Bloga – Como você se descobriu música, conte um pouco de seu início de carreira.

Juliana Lima - Quando fiz 10 anos comecei a estudar música numa escola próxima de casa, uma escola de bairro, fui estudar piano, mas acabei estudando órgão popular, paralelamente eu fui aprendendo a tocar o violão autodidata, vendo meu pai tocar, e aí, pelas aulas que eu tinha, a teoria foi fazendo sentido e eu acabei aprendendo a tocar o violão. Desde então não parei mais. Com dez, 12 anos eu comecei a compor e com 14 anos gravei o primeiro disco e nunca mais parei...

Bloga - Você gravou o primeiro disco aos 14 anos de maneira independente...

Juliana - Eu fiz uma apresentação na escola e de lá fiz uma entrevista em uma rádio, dessa rádio me levaram para um estúdio, gravei uma fita demo na época e um dos produtores do estúdio gostou das músicas e me convidou para gravar o primeiro disco. A gente gravou um disco independente e totalmente autoral, com 14 anos.

Bloga - Quer dizer eram composições suas, mas você aos 13, 14 anos o que você escrevia, o que lhe inspirava para fazer música, falava sobre o quê?

Juliana – Eu faço música sobre o cotidiano da vida das pessoas, eu lembro que na época tinha umas amigas e elas viviam suas histórias de primeiro amor, daqueles conflitos de adolescente e lembro que fiz uma música para contar a história de cada uma. A gente se reunia em festinhas e cantava as músicas, elas sabiam as letras de todas as músicas. Eu sempre que me impressionei com algo, alguma coisa me chamou muito a atenção sempre transformei isso em música, mas não de uma forma consciente. Quando eu via já estava fazendo a música sobre aquele determinado tema. Muitas coisas que eu vivi, mas muitas coisas que eu vi as pessoas viverem também. Coisas que eu assisti. Uma amiga uma vez tinha um grande amor que a família não aceitava, mas que ela amava o cara e ele teve um acidente e morreu, então foi um amor interrompido bruscamente. Fiz uma música para essas duas pessoas [“Espero”, do CD “Raios de Sol”, de 2002]. Enfim, eu falo sobre o cotidiano mesmo.

Bloga – O que você ouvia na sua infância, cresceu ouvindo o quê? O que acha que mais lhe influenciou em termos de estilo, de poética?

Juliana – Eu cresci escutando essas referências que lhe falei, a música popular brasileira principalmente. Em casa sempre rolou Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Lulu Santos, Rita Lee, Roberto Carlos, enfim, a música brasileira como um todo. Mas quando eu cresci um pouco mais, quando fui fazer faculdade (musicoterapia) entrei em contato com uma música brasileira mais antiga, fui pesquisar como nasceu o samba e me apaixonei por Noel, Cartola, Lupicínio Rodrigues, gosto muito disso, até tenho um pouco disso no meu repertório também. Mas no geral o que sempre me fascinou foi a música brasileira, a diversidade da música brasileira, a música do Nordeste, a música do Luiz Gonzaga.

Bloga – Eu percebo que seus discos têm bastante variações de ritmos, você gosta de mexer com um pouquinho de tudo...

Juliana – Exatamente. É porque, enfim, o Brasil é um país multicultural, a gente tem muita coisa boa e eu acabo passeando um pouco por cada uma dessas coisas com as quais tive contato.

Bloga – Quer dizer você quer passar uma mensagem assim de tranquilidade... Suas letras são bem suaves. Você tem uma visão de mundo assim mais suave, intimista, romântica, por que não?

Juliana – Sim, mas eu tenho algumas canções de protesto também, não muitas, mas tem...

Bloga – Aquela que rasga a identidade (“Boa Sorte”, dela e de Del Cestal, do CD “O Dom”)...

Juliana – É, sim, o protesto que eu faço é da época que estou vivendo, então a gente tem uma inquietação com a sociedade, com o comodismo das pessoas, com o conformismo das pessoas em relação à política, à educação, a tudo... Tem uma música que eu não gravei, mas pretendo gravar, que chama “Bala de Canhão”, que eu fiz [em parceria com Talita Lopes] no dia que roubaram meu carro. Era um carrinho velho, tinham carros zero na rua e roubaram o meu! Eu fiquei muito revoltada e a forma que eu usei para canalizar aquela revolta foi uma música. E ela fala sobre essa fragilidade da sociedade, de você... Vou tocar um pedacinho pra você entender:

‘É melhor pagar o cara que não é dono da rua
Do que levarem o seu carro, estupidez humana, realidade crua
Eles vêm como raio com seus ferros, covardes levam sua carteira
Sequestram seu filho, assombram a cidade sem piedade
Põe Car System, aciona o alarme, deixa o seguro pago
Sobe o vidro, aperta a trava, põe G5 ou blindado
Todos parecem estar à beira da loucura
Justiça lenta e fraca e eu não vejo a cura
Ninguém está livre dessa escravidão
Não entrega o que é teu
Pra ver se não leva bem na cara
Bala de canhão’


Bloga – Muito boa..

Juliana – Então é mais retratar o que se vive mesmo, a ideia é essa.

Bloga – Você acha que as pessoas estão muito acomodadas, conformadas, não vale a pena lutar?

Juliana – O Brasil é um país que, pelo menos hoje, as pessoas vivem meio que, não sei se egoisticamente falando, elas não estão contentes, mas também não fazem nada para mudar. É um país que precisava se politizar mais, ter mais consciência de seus deveres e seus direitos. Falta isso: atitude ao povo brasileiro. Teve o ano passado as manifestações, mas muita gente não sabia muito bem o que estava fazendo, houve uma manipulação de mídia muito grande. Acho que precisaria de muito mais. Agora este ano, por exemplo, com as eleições seria um momento de protestar e realmente fazer alguma coisa... Quem sou eu... E também nem tem tantas opções assim...  o buraco é mais embaixo.

Bloga –  E como você vê qual é o papel do artista nesse complexo cenário todo? É só levar a arte?

Juliana – O artista em toda a história da humanidade sempre refletiu a sociedade da qual ele foi gerado. Na época da ditadura a gente tanta música maravilhosa no Brasil, mas porque o período instigava isso dos artistas. Você até mencionou que eu tenho uma coisa mais linda, poética, romântica...

Bloga - ... suave...

Juliana - ...suave, mas talvez por refletir esse conformismo da minha geração, não que eu não tenha consciência do que está acontecendo, mas a minha é uma geração que pouco lutou, talvez isso se reflita na música, na arte que a gente faz. Mas eu tenho bastante consciência de que as coisas poderiam melhorar bastante, mas isso só depende de nós, né?

Bloga – Quais são seus planos? Vai gravar agora o DVD do “Aquariana”...

Juliana – A gente vai gravar o DVD no dia 31 de outubro no Ton Ton Jazz. Agora em novembro a gente faz uma primeira miniturnê fora do Brasil que vai ser entre La Plata, Buenos Aires e Montevidéu, com o projeto “Aquariana”...

Bloga – Você já montou a banda, a equipe?

Juliana – A gente vai fazer apresentações intimistas... No começo do ano eu recebi uma cantora argentina, a Gisela Magri, e ela tem um projeto que mistura samba com tango, e a produtora que trouxe ela me convidou para fazer esses shows lá e a gente vai levar o projeto “Aquariana” para esses palcos. Ano que vem, em março, vou participar de um festival chamado “Cantaré”, um festival em prol de crianças com fome no mundo. Vão participar 30 artistas do mundo todo, de alguns países, e a gente vai fazer sete apresentações pela América Central: Jamaica, República Dominicana, Ilhas Virgens e mais alguns outros países. Todo dinheiro que for arrecadado neste festival vai ser doado para uma associação que alimenta crianças no mundo, crianças com fome no mundo. A gente tem esse projeto de sair espalhando música por onde passar.

Bloga – Aqui em São Paulo você toca em alguns bares...

Juliana – Em São Paulo tem um circuito de lugares que a gente toca, de casas. Têm os festivais que estamos sempre indo. Agora a gente vai fazer em outubro um festival em Jundiaí... A gente não para, está sempre em movimento. Se você for ver eu tenho há alguns anos todo mês a gente faz uma média de 15, 20 shows todo mês...

Bloga – E tem um projeto de um novo disco, ou ainda vai trabalhar bastante o “Aquariana”?

Juliana – Vamos trabalhar o “Aquariana”, mas, paralelamente... projeto de gravar disco a gente sempre tem e canções pra isso também. Talvez a gente faça para o ano que vem um registro do projeto “Beijo de Moça”, que está tendo uma aceitação muito bacana do público. É um trio formado por mim, na voz e violão, a Ana Wick nos vocais e percussão e a Cacá Molgora também na percussão. É um projeto de música regional, a gente canta e toca xote e baião, coisas de Luiz Gonzaga, Alceu Valença. Em todo lugar que a gente leva esse projeto está sendo muito bem aceito, então talvez a gente faça um registro em disco para esse projeto.

Vídeos de Juliana Lima disponíveis no YouTube. Aqui, dois para aguçar a vontade:

Trio Beijo de Moça:





Videoclipe "O Dom"