O Barquinho Cultural

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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Vila Palmares, anos 80

   Quando eu chegava lá, vindo das aulas da faculdade, encontrava a galera toda ocupada, pintando faixas, traçando estratégias, discutindo a conjuntura, reclamando dos adversários que arrancavam os cartazes colados na véspera com tanto afinco.

   Vinha com minha indefectível bolsa a tiracolo, botas de couro surradas, camiseta pintada à mão com figuras tão caras como Che, Milton, a calça jeans quase caindo, tão magro eu era. O clima era de muita alegria, de amizade, a sensação de estar fazendo algo sério, importante, querendo participar dos rumos da nossa aldeia.

   Era um bostinha de 20, 21 anos, não tinha nada de rebeldia (fora os cabelos revoltos, fruto da raiva de não ter sido jovem no tempo dos Beatles e dos hippies), não sabia beber (até hoje...) e fumava porque, afinal, todos meus colegas o faziam. Não entendia nada de política, mas gostava de ouvir, aprender e, principalmente, de conviver com aquela turma. Muitos eram meus ídolos, que falavam coisas que (eu não sabia ainda) sempre quis ouvir, porque havia uma célula de inconformismo em mim que precisava desse clima para se multiplicar.

   Depois de preparar algum material, saíamos às ruas para espalhá-lo. Pintar os muros que os proprietários permitiram de dia; esticar as faixas entre os postes; colar os cartazes... Era a panfletagem. E nos orgulhávamos de fazer tudo aquilo, com os riscos envolvidos (não raras vezes tivemos que correr da polícia e nos desfazer do material; afinal, era o regime militar que imperava), por paixão, ideal, não por uns trocados, como muitos dos que encontrávamos na madrugada disputando um muro.

   Não tínhamos um Duda Mendonça, um João Santana... Éramos nós os criadores, os realizadores, era o Hércules com seus desenhos incríveis, a Bete com sua prática no silk-screen, o Carlão Barba com sua perua, a Teresinha, o Luizinho, o Fernando com sua experiência e os debates precisos, a garotada toda muito a fim de fazer política... não para apenas chegar ao poder, mas para mudar as coisas. Eu não fazia a menor ideia de como mudar as coisas, mas confiava naqueles líderes e em sua capacidade de o fazer.

   Aqueles dias forjaram meu eu de uma forma irredutível. Ganhei amigos para toda a vida e uma visão de mundo que é até hoje a linha-mestra de meu pensamento. Deram-me alguma noção do que fazer, tanta que posso até questionar agora se o caminho é esse mesmo, ou seja, senso crítico, porque isso foi aprendido ali, naquele núcleo minúsculo, onde saboreávamos a doce sensação de participar da vida política de uma maneira ainda inédita por aqui. Sem medode ser feliz, como dizia o slogan.

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