Thiago Mendonça e Laila Zaid (Reprodução) |
Há algo de estranho no filme “Somos Tão Jovens”, de Antônio
Carlos Fontoura, sobre a juventude de Renato Russo, antes de a Legião Urbana estourar
no país. Apesar da advertência no início da projeção, de que a obra é baseada
na vida do cantor e compositor, o que leva a concluir que houve alguma licença
poética na construção do personagem, Renato aparece como uma pessoa frágil,
atormentada, meio perdida sobre seu papel no mundo. Bem distante, portanto, da
figura carismática, provocativa e com instinto de liderança que os depoimentos
de seus amigos, dados aos jornais à época do lançamento, pintaram.
Não curti de imediato o Legião nem qualquer outra banda de
rock que surgiu no início dos anos 80. Vivia uma fase bicho-grilo, pela qual
Renato, de acordo com o filme, também passou antes de conhecer o punk rock, e
não me liguei muito no rock brazuca que então despontava. Ouvia mais Beto
Guedes, Lô Borges e Tarancón, entre outros. E achava esse som bem inferior ao
dos pioneiros Raul e Mutantes dos 60/70.
Mas o clima da época, estudante de Jornalismo e nos
estertores do regime militar, não permitia que ficasse imune a esse movimento. Não
aderi, contudo, de cara à nova onda. Ainda estava a descobrir Chico, Caetano,
Gil e Milton, e qualquer coisa abaixo de Beatles para mim era perda de tempo.
Fui, mesmo, prestar atenção às bandas bem depois, só para confirmar que muitas
delas ou se extinguiram por falta de assunto e de novidade, ou sofreram o
desgaste próprio da aderência ao mainstream.
Voltando ao filme, o Renato vivido por Thiago Mendonça ( o
Luciano apagado de “Dois Filhos de Francisco”) impressiona pela caracterização,
e seu esforço em tocar e cantar ele próprio as músicas deve ser louvado. Não
chega aos pés do Cazuza de Daniel Oliveira ou o Jim Morrison de Val Kilmer, mas
confere credibilidade. Falar nisso, o Marcos Breda, que vive o pai de Renato,
está caricato e estereotipado, bem longe da sua brilhante atuação como Marcelo
Rubens Paiva em “Feliz Ano Velho”.
A história tenta mostrar um painel do surgimento das bandas
brasilienses, como a pré-Legião Aborto Elétrico, Plebe Rude e Capital Inicial,
assunto abordado no livro “O diário da
turma: a história do rock de Brasília”, de Paulo Marchetti (2001), porém é mais
centrada no próprio Aborto, e ficamos sem saber se Renato e companhia é que
deram o start para o surgimento das outras ou foi um movimento espontâneo e
simultâneo.
Também não ficamos
sabendo se, afinal, Dinho Ouro Preto (depois vocalista do Capital) fez parte
desse grupo ou não (ele sempre disse que participou, sim). Em um momento,
quando Renato e turma dão entrevista ao jornalista Hermano Vianna – irmão de
Herbert, do Paralamas - (ver em http://olicruz.wordpress.com/2013/05/04/hermano-viana-escreve-sobre-o-rock-de-brasilia/),
ele explica a miríade de conexões que as bandas praticavam, com todos
participando de todas, como uma grande comunidade musical. Coisas do rock,
também. Mas fica vago.
Enfim, o Renato do filme é um cara antenado, que devorou
clássicos da literatura e da música em seu exílio involuntário por causa de uma
doença que o paralisou por um tempo, inconformado com as artimanhas do poder central
e com a incapacidade de fazer algo revolucionário (em uma cena marcante, ele
cobra dos pais alguma atitude, ao qual o pai pergunta o que ele, um mero
economista do Banco do Brasil pode fazer?).
Parece que o músico encontrou a
resposta no punk rock que os amigos filhos de embaixadores lhe apresentaram ao
trazer discos de Londres, e partiu para a ação via imagem e atitudes
agressivas. Nada mais adolescente.
É incrível supor que uma pessoa com essa reflexão da realidade
se tenha transformado em porta-voz da juventude de seu e do futuro tempo (a
plateia do cinema em que assisti ao filme estava repleta de adolescentes que
aparentemente pouco se importaram de consumir pipoca e refrigerante a preço de
refeição completa no shopping). Há realmente algo de estranho no Renato pintado
no filme. Creio que o que o diretor tentou foi traduzir em imagens algumas das
letras fundamentais do compositor – o que Fontoura até ilustra de maneira pouco
criativa, ao colocar versos de algumas canções em frases ditas por Renato aqui
e ali.
O filme, afinal, não me emocionou muito, deixou com vontade
de quero mais, e a única cena em que senti algum arrepio foi quando ele cantou “Ainda
é Cedo”, construída exatamente para surtir esse efeito: a homenagem à amiga querida
com quem havia se desentendido e o desenrolar de certa forma evidente. E fica
também a dúvida: a tal menina que lhe ensinou quase tudo que ele sabe foi
realmente uma mulher ou o famoso pó branco, que alguns insinuam ter sido a
fonte inspiradora? O diretor não quis correr riscos, pelo visto. Somado ao
perfil insípido que traçou do grande Renato, parece que não quis mesmo.
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