O Barquinho Cultural

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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Ela tem o dom: Juliana Lima

Ela era Gyulyana. Tinha 14 anos em 1997 e procurava um amor. Esse era o título de seu primeiro disco, e da música de abertura, “Procuro um Amor”. Pela leveza e emoção que transmite em suas canções, parece ter encontrado. Pelo menos o amor de seu fiel público ela alcançou. E me incluo nele.

Infelizmente, nós, pobres seus admiradores, não temos acesso a essa primeira obra, nem às duas seguintes, “Raios de Sol”, de 2002, ainda como Gyulyana, e “Tudo & Mais”, de 2004, já como Juliana Lima. Isso porque ela quer corrigir alguns detalhes técnicos dessas gravações antes de levar de volta ao mercado.

Mas temos “O Dom”, de 2007, e “Aquariana”, de 2013, aí para conferir a sua voz suave, a delicadeza de suas composições, os arranjos precisos, a emoção brotando de uma voz singular, um timbre que a diferencia e a identifica. Esses discos estão disponíveis nas apresentações que ela faz nos bares e casas de São Paulo e do ABC, em seu site, no i-Tunes e no SoundCloud.

Juliana cresceu ouvindo o pai, seu Elias, tocando violão em casa e, como toda criança, gostava de cantar, brincar de música... Mas ela tem o dom. Estudou instrumentos lá pelos dez anos. E, depois de uma apresentação na escola, um trabalho rotineiro que ela e seus amigos resolveram fazer em forma de show, alguém sensível compreendeu que ali estava bem mais do que uma simples diversão. Havia talento...

Assim nasceu, em Santo André, a cantora e compositora, agora autora de mais de 350 canções, cinco discos gravados, muitas outras ideias já transformadas em músicas, aguardando o momento certo para levar ao público.

Muito nova para sair em apresentações com a banda que integrou nesses verdes anos, parou um tempo com a música e foi trabalhar em uma ótica. Não durou um ano para que a música falasse mais alto e ela resolvesse que seria disso que faria sua vida. E não parou mais. Já são 17 anos de estrada, de palcos, e agora ganha o mundo. Com apresentações agendadas pela América do Sul e Central.

Estudou musicoterapia. Interessada em dominar todo o processo de criação, foi atrás de aprender a gravar suas obras, estudou gestão de projetos culturais e vai agora mexer com técnicas de estúdio. Enfim, quer ser senhora de sua produção.

Ouvi-la é mergulhar em um universo onírico, é ouvir falar de amor sem rancor, com algum sofrimento, mas sem o edulcorado falso dos que querem enganar a si e aos outros com a ilusão de que não se pode rimar amor e dor.

“Hoje eu quero devaneios, amanhã não sei”

“O Dom” é um disco espontâneo, que passeia por vários ritmos e estilos. A voz dela está cálida, forte, projeta e transmite algum sentimento preso que não se manifesta senão pelo cantar. As letras falam de coisas duras, de solidão, desamores... Coisas que só ela pode saber.

“Mais valeria ser louca / Por que a vida é tão corriqueira”.

“Teremos paz / ou seremos inconstantes?”

“O mundo anda tão complicado”,

“No vazio da casa sei que não estás”

“Morre um amor / Hoje e para sempre”

“Estou cercada por montanhas de concreto / Que impõem um veto em meu mirar”

“Esse mundo me assusta”

“Será que vale a pena / Viver sem existir”...

Mas há ternura em versos esculpidos nas pedras perenes do coração:

“O que faço para não me perder / Por esses passos?”

“Flores são belas / Mas é fria a mais bela das flores”

“Em meio à ventania parto”

“Olhe, já escureceu /Mas teu sorriso não sai da lembrança”...

E alguma revolta:

“Tô de saco cheio dessa massa de bananas”

“Estou farta das orgias / Não era essa a vida que eu queria”...

Até fechar com o recado e o pedido para a entrega total:

“Pensa em não fazer mais nada / Esquece a hora esquece tudo”.


“Percorri teu corpo com o meu”




Dois anos após o lançamento de “O Dom”, uma música dela, que não está nesses discos, entra na trilha de um curta-metragem, “Ópera de Arame”, uma produção da Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André. “Mesmo sem te ver”, a canção, traz uma interpretação arrebatadora, um arranjo com cordas que traz um clima que nos leva a mergulhar de cabeça e olhos fechados em uma paixão...

Mesmo sem te ver, decifrei teu corpo / num momento febril e louco / não pude conter / minha sede de te ter completamente / e entender perfeitamente / que palavras podem negar”.


“Ser feliz é um mar”

“Aquariana” é lançado seis anos depois de “O Dom”, e nos apresenta Juliana em uma fase de voos mais altos, como ela mesma define. A voz está mais cristalina, as músicas são mais alegres. O amor que procurava desde os 14 entrou em seu coração? O título remete ao seu signo zodiacal, caracterizado por pessoas “com a mente no futuro, desencanadas, que adoram a liberdade”.

Os temas não deixam de tratar de amor, mas amor vivido com alegria, que permite ver a felicidade em elementos simples como uma “brisa leve”, o “velejar nas ondas da imensidão”, na certeza de que “o amor chega no dia e na hora marcada”. Há espaço para lembrar da infância, do tempo em que ela “queria ser apenas uma menina sem ter que crescer”. E repete “O Dom”, também em espanhol: “Põe de lado / Pressas, medos e receios / Mas pare, pense, ouça e sinta”.

Cita nossas escritoras impagáveis: “Quero Adélia, Hilda e Clarice / Essas mulheres em mim”, e pergunta na faixa-título: “Será que há uma maneira de a rotina não virar tédio? / Ou uma chance de o tédio não sufocar a paixão?”.

Mas há a decisão de romper com o que não traz felicidade: “E a partir de agora eu pulo até mesmo do abismo / Até sentir a brisa do infinito”. Porque “enquanto não sonhava / Eu não era nada”, e, como sonho que se sonha junto não é sonho, é realidade, “Venha comigo e me dê a mão / Cante comigo mais esta canção”.

Volta ao mergulho na paixão, na certeza de que o amor não precisa razão: “Em ti vou me perder / Sem medo e sem pudor / E hoje sei que sem você / O céu já não tem cor”.


“Confie em mim”


“Aquariana” será registrado em DVD, com gravação marcada para o dia 31 de outubro, no Ton Ton Jazz (alameda dos Pamaris, 55, Moema, São Paulo). Quem quiser fazer parte dessa apresentação pode obter os ingressos em suas apresentações nas casas em que ela toca ou pelos telefones (11) 97258-1676 e (11) 2829-3935.

Juliana Lima toca com alguma frequência em lugares como o Bricabraque, S.A Clube, Forneria Itália, Benedita’s... É só acompanhar a agenda em seu site.

E ainda tem a nova proposta, o trio “Beijo de Moça”, com AnaWick e Cacá Molgora. As meninas levam o mais puro som regional, com xote e baião, em um formato que vem ganhando fãs a cada apresentação.

Aqui, a íntegra da entrevista que Juliana concedeu ao blog, em uma sexta-feira chuvosa, no charmoso bar e restaurante Benedita’s. Com direito a uma palhinha de uma canção inédita, “Bala de Canhão”, um toque de revolta por esse mundo violento (complicado?) e uma certa comodidade de todos nós. Sim, Juliana tem sangue na veias. E o dom de nos fazer chorar sem sentir dor...





Blog por Bloga – Como você se descobriu música, conte um pouco de seu início de carreira.

Juliana Lima - Quando fiz 10 anos comecei a estudar música numa escola próxima de casa, uma escola de bairro, fui estudar piano, mas acabei estudando órgão popular, paralelamente eu fui aprendendo a tocar o violão autodidata, vendo meu pai tocar, e aí, pelas aulas que eu tinha, a teoria foi fazendo sentido e eu acabei aprendendo a tocar o violão. Desde então não parei mais. Com dez, 12 anos eu comecei a compor e com 14 anos gravei o primeiro disco e nunca mais parei...

Bloga - Você gravou o primeiro disco aos 14 anos de maneira independente...

Juliana - Eu fiz uma apresentação na escola e de lá fiz uma entrevista em uma rádio, dessa rádio me levaram para um estúdio, gravei uma fita demo na época e um dos produtores do estúdio gostou das músicas e me convidou para gravar o primeiro disco. A gente gravou um disco independente e totalmente autoral, com 14 anos.

Bloga - Quer dizer eram composições suas, mas você aos 13, 14 anos o que você escrevia, o que lhe inspirava para fazer música, falava sobre o quê?

Juliana – Eu faço música sobre o cotidiano da vida das pessoas, eu lembro que na época tinha umas amigas e elas viviam suas histórias de primeiro amor, daqueles conflitos de adolescente e lembro que fiz uma música para contar a história de cada uma. A gente se reunia em festinhas e cantava as músicas, elas sabiam as letras de todas as músicas. Eu sempre que me impressionei com algo, alguma coisa me chamou muito a atenção sempre transformei isso em música, mas não de uma forma consciente. Quando eu via já estava fazendo a música sobre aquele determinado tema. Muitas coisas que eu vivi, mas muitas coisas que eu vi as pessoas viverem também. Coisas que eu assisti. Uma amiga uma vez tinha um grande amor que a família não aceitava, mas que ela amava o cara e ele teve um acidente e morreu, então foi um amor interrompido bruscamente. Fiz uma música para essas duas pessoas [“Espero”, do CD “Raios de Sol”, de 2002]. Enfim, eu falo sobre o cotidiano mesmo.

Bloga – O que você ouvia na sua infância, cresceu ouvindo o quê? O que acha que mais lhe influenciou em termos de estilo, de poética?

Juliana – Eu cresci escutando essas referências que lhe falei, a música popular brasileira principalmente. Em casa sempre rolou Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Lulu Santos, Rita Lee, Roberto Carlos, enfim, a música brasileira como um todo. Mas quando eu cresci um pouco mais, quando fui fazer faculdade (musicoterapia) entrei em contato com uma música brasileira mais antiga, fui pesquisar como nasceu o samba e me apaixonei por Noel, Cartola, Lupicínio Rodrigues, gosto muito disso, até tenho um pouco disso no meu repertório também. Mas no geral o que sempre me fascinou foi a música brasileira, a diversidade da música brasileira, a música do Nordeste, a música do Luiz Gonzaga.

Bloga – Eu percebo que seus discos têm bastante variações de ritmos, você gosta de mexer com um pouquinho de tudo...

Juliana – Exatamente. É porque, enfim, o Brasil é um país multicultural, a gente tem muita coisa boa e eu acabo passeando um pouco por cada uma dessas coisas com as quais tive contato.

Bloga – Quer dizer você quer passar uma mensagem assim de tranquilidade... Suas letras são bem suaves. Você tem uma visão de mundo assim mais suave, intimista, romântica, por que não?

Juliana – Sim, mas eu tenho algumas canções de protesto também, não muitas, mas tem...

Bloga – Aquela que rasga a identidade (“Boa Sorte”, dela e de Del Cestal, do CD “O Dom”)...

Juliana – É, sim, o protesto que eu faço é da época que estou vivendo, então a gente tem uma inquietação com a sociedade, com o comodismo das pessoas, com o conformismo das pessoas em relação à política, à educação, a tudo... Tem uma música que eu não gravei, mas pretendo gravar, que chama “Bala de Canhão”, que eu fiz [em parceria com Talita Lopes] no dia que roubaram meu carro. Era um carrinho velho, tinham carros zero na rua e roubaram o meu! Eu fiquei muito revoltada e a forma que eu usei para canalizar aquela revolta foi uma música. E ela fala sobre essa fragilidade da sociedade, de você... Vou tocar um pedacinho pra você entender:

‘É melhor pagar o cara que não é dono da rua
Do que levarem o seu carro, estupidez humana, realidade crua
Eles vêm como raio com seus ferros, covardes levam sua carteira
Sequestram seu filho, assombram a cidade sem piedade
Põe Car System, aciona o alarme, deixa o seguro pago
Sobe o vidro, aperta a trava, põe G5 ou blindado
Todos parecem estar à beira da loucura
Justiça lenta e fraca e eu não vejo a cura
Ninguém está livre dessa escravidão
Não entrega o que é teu
Pra ver se não leva bem na cara
Bala de canhão’


Bloga – Muito boa..

Juliana – Então é mais retratar o que se vive mesmo, a ideia é essa.

Bloga – Você acha que as pessoas estão muito acomodadas, conformadas, não vale a pena lutar?

Juliana – O Brasil é um país que, pelo menos hoje, as pessoas vivem meio que, não sei se egoisticamente falando, elas não estão contentes, mas também não fazem nada para mudar. É um país que precisava se politizar mais, ter mais consciência de seus deveres e seus direitos. Falta isso: atitude ao povo brasileiro. Teve o ano passado as manifestações, mas muita gente não sabia muito bem o que estava fazendo, houve uma manipulação de mídia muito grande. Acho que precisaria de muito mais. Agora este ano, por exemplo, com as eleições seria um momento de protestar e realmente fazer alguma coisa... Quem sou eu... E também nem tem tantas opções assim...  o buraco é mais embaixo.

Bloga –  E como você vê qual é o papel do artista nesse complexo cenário todo? É só levar a arte?

Juliana – O artista em toda a história da humanidade sempre refletiu a sociedade da qual ele foi gerado. Na época da ditadura a gente tanta música maravilhosa no Brasil, mas porque o período instigava isso dos artistas. Você até mencionou que eu tenho uma coisa mais linda, poética, romântica...

Bloga - ... suave...

Juliana - ...suave, mas talvez por refletir esse conformismo da minha geração, não que eu não tenha consciência do que está acontecendo, mas a minha é uma geração que pouco lutou, talvez isso se reflita na música, na arte que a gente faz. Mas eu tenho bastante consciência de que as coisas poderiam melhorar bastante, mas isso só depende de nós, né?

Bloga – Quais são seus planos? Vai gravar agora o DVD do “Aquariana”...

Juliana – A gente vai gravar o DVD no dia 31 de outubro no Ton Ton Jazz. Agora em novembro a gente faz uma primeira miniturnê fora do Brasil que vai ser entre La Plata, Buenos Aires e Montevidéu, com o projeto “Aquariana”...

Bloga – Você já montou a banda, a equipe?

Juliana – A gente vai fazer apresentações intimistas... No começo do ano eu recebi uma cantora argentina, a Gisela Magri, e ela tem um projeto que mistura samba com tango, e a produtora que trouxe ela me convidou para fazer esses shows lá e a gente vai levar o projeto “Aquariana” para esses palcos. Ano que vem, em março, vou participar de um festival chamado “Cantaré”, um festival em prol de crianças com fome no mundo. Vão participar 30 artistas do mundo todo, de alguns países, e a gente vai fazer sete apresentações pela América Central: Jamaica, República Dominicana, Ilhas Virgens e mais alguns outros países. Todo dinheiro que for arrecadado neste festival vai ser doado para uma associação que alimenta crianças no mundo, crianças com fome no mundo. A gente tem esse projeto de sair espalhando música por onde passar.

Bloga – Aqui em São Paulo você toca em alguns bares...

Juliana – Em São Paulo tem um circuito de lugares que a gente toca, de casas. Têm os festivais que estamos sempre indo. Agora a gente vai fazer em outubro um festival em Jundiaí... A gente não para, está sempre em movimento. Se você for ver eu tenho há alguns anos todo mês a gente faz uma média de 15, 20 shows todo mês...

Bloga – E tem um projeto de um novo disco, ou ainda vai trabalhar bastante o “Aquariana”?

Juliana – Vamos trabalhar o “Aquariana”, mas, paralelamente... projeto de gravar disco a gente sempre tem e canções pra isso também. Talvez a gente faça para o ano que vem um registro do projeto “Beijo de Moça”, que está tendo uma aceitação muito bacana do público. É um trio formado por mim, na voz e violão, a Ana Wick nos vocais e percussão e a Cacá Molgora também na percussão. É um projeto de música regional, a gente canta e toca xote e baião, coisas de Luiz Gonzaga, Alceu Valença. Em todo lugar que a gente leva esse projeto está sendo muito bem aceito, então talvez a gente faça um registro em disco para esse projeto.

Vídeos de Juliana Lima disponíveis no YouTube. Aqui, dois para aguçar a vontade:

Trio Beijo de Moça:





Videoclipe "O Dom"



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