O Barquinho Cultural

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quarta-feira, 28 de março de 2012

A lenda ganha história


“Lenda não tem história.” É o que diz Paulo Coelho em determinado momento do filme “O início, o fim e o meio”, documentário de Walter Carvalho e Eduardo Mocarzel sobre o mito Raul Seixas, a que assisti nesta segunda-feira, 26/03/12, em uma sessão das 16h20 quase vazia no Espaço Unibanco (Itaú?) do Shopping Bourbon.

Sim, apesar da resistência do místico escritor e parceiro do Maluco Beleza em dar seu depoimento ao filme, sua presença é bem constante na fita, dando até leve impressão de que o homenageado lá parece ser ele, e não o retratado. Tudo bem. O filme é ótimo, bem pesquisado, com cenas inéditas e recheado de canções sempre boas de ouvir.

Começa com imagens de “Easy Rider” (aqui, “Sem Destino”), o grande filme dirigido por Dennis Hopper, lançado em 1969, que aborda o movimento hippie, a contracultura e a liberdade. E introduz Raul como o cara que fez a fusão do rock com a música popular brasileira, misturando guitarras e triângulo e atabaques, atacando até de bossa-nova em alguns momentos.

Sim. Raulzito inovou o rock brazuca, até então ingênuo e careta na Jovem Guarda e depois desafiador com os tropicalistas e os Mutantes. Ele queria dizer algo libertário, em uma época em que a ditadura procurava calar vozes dissonantes e a censura extirpava letras de Chico Buarque e afins.

Vários depoimentos importantes traçam um perfil bem honesto do baiano, desde a mãe,  irmão, amigos de infância, primeiros parceiros, as mulheres, filhas, produtores, jornalistas, outros artistas, enfim, um painel aparentemente completo da vida do cara. Sua paixão por cinema, que o levou a conhecer outro mito, Elvis Presley, que o fez dedicar-se ao rock o resto de sua vida.

Faltou o depoimento de Jerry Adriani, que aparece apenas em uma foto esmaecida, ele que levou Raul ao Rio e o introduziu em uma gravadora, onde trabalhou como produtor, compôs para vários artistas do cast (inclusive para Adriani) e acabou lançando seus próprios discos. Injustiça. Talvez tenha se recusado, não sei.

É um filme importante por documentar um artista da estatura de Raul, porém um tanto comovente demais para meu gosto, feito para chorar, coisa que destoa do espírito do nosso roqueiro maior. Preferia um documentário mais doidão, que acompanhasse em estética fílmica o pensamento e atitudes do músico. Mas não deixa a desejar, o retrato é bem detalhado.

Em 1973, a loja de discos de meu pai recebe o Krig-ha, bandolo!, primeiro trabalho solo de Raul, com os clássicos “Ouro de tolo”, “Mosca na sopa”, “Metamorfose ambulante”, “Al Capone” – esta em parceria com Coelho. Um disco memorável,  que eu ouvia à exaustão e me fez abandonar de vez as breguices que escutava até então (exceção aos Beatles, que curtia desde pequenino).

Foi uma época muito legal o início da década de 1970. Acho que a encheção de saco que o AI-5 trouxe fez o pessoal das artes ficar mais criativo, e desse período surgem artistas que fizeram acontecer durante muitos anos e outros que caíram no ostracismo rapidamente. Normal. Eu, aos 12, 13 anos, assistia a aquilo tudo com enorme curiosidade e refinava meu gosto, além de me motivar a ser cantor também, objetivo, contudo, que nunca persegui.

O filme faz a lenda virar história, e isso é importante em um tempo em que muitos, absurdamente, não sabem de sua existência. Sim, ouvi de uma menina de seus 20 e poucos anos que estuda fotografia comigo não o conhecer! Isso apesar de o bordão “toca Raul” já ter se tornado um clássico nos botecos. Talvez seja melhor ele permanecer mesmo como mito.

4 comentários:

Mariana (Cafezinho) disse...

Adorei a resenha! Texto claro, rico em detalhes, objetivo e pessoal! É isso ai!
Bjs!
Mari

Carlos Mercuri disse...

Obrigado, Mariana. Sua opinião para mim é muito importante. Bjs

Emily disse...

Eu assisti o documentário do Raul ontém, e até que achei quase impecável, rsrs. Vc comentou que talvez esperasse um documentário mais "doidão", rs, bem, eu esperei um documentário mais pessoal mesmo, eu senti uma vontade de saber mais sobre o íntimo do rapaz que mudou tanta coisa na cena musical brasileira. O que pude notar é que, as "loucuras" dele não eram propositais, e achei isso lindo. rs
Mas na real, quando o filme chegou ao fim, senti uma sede amarga. Foi positivo conhecer mais sobre o Raul, muito mesmo. =) E parabéns pelo texto. rsrs

Carlos Mercuri disse...

Valeu priminha... Olha, tem um livro legal, O Baú do Raul, tem muitas histórias curiosas lá, mas deve estar esgotado, quem sabe não reeditem agora. Mate sua sede logo. Bjs