O Barquinho Cultural

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segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Sir João Bosco

    João Bosco e banda apresentam "Abricó-de-macaco" no Sesc Vila Mariana. Foto: Carlos Mercuri

O mineiro João Bosco fez três apresentações neste meio de janeiro no Sesc Vila Mariana (SP), dias 17, 18 e 19, coincidindo, no caso do sábado, da homenagem que Serginho Groisman lhe dedicou no "Altas Horas", da TV Globo, junto ao ex-titã Nando Reis.

Fui ver João domingo, 19, por coincidência data em que, em 1982, a gaúcha Elis Regina (nascida aos 17 de março de 1945) deixou esse plano. Claro, o mineiro, de cuja histórica parceria de 50 anos com o carioca Aldir Blanc (1946/2000) a Pimentinha apropriou-se e fez suas tantas obras-primas, não poderia deixar de homenagear. O que fez nos derradeiros minutos do show de duas horas no incrível teatro Antunes Filho, de acústica impecável.

Aos 78 anos (nascido em Ponte Nova aos 13 de julho de 1946), João Bosco de Freitas Mucci, cuja primeira gravação foi "Agnus Sei", parceria com Blanc, lado B de "Água de Março", de Tom Jobim, em disco lançado pelo jornal anarco-porraloka" Pasquim em 1972, trouxe ao Sesc um apanhado de pérolas de sua carreira.

O show (falo de domingo, 19, quando fui assistir, mas me parece que o set list foi rígido nos três dias) começa com "Incompatibilidade de Gênios" - dele e Aldir, do LP "Galos de Briga", de 1990, após a qual João apresenta sua banda: o carioca Ricardo Silveira (guitarra) e os gaúchos Guto Wirtti (baixo e backing vocal) e Kiko Freitas (bateria e percussão). Música de uma ironia ímpar, imortalizada por Clementina de Jesus (1901/1987) em 1975.

Em seguida, toca "Bala com Bala", lançado por Elis em seu primeiro álbum em parceria com o futuro marido César Camargo Mariano, "Elis", de 1972, produzido por Roberto Menescal. Bosco gravaria a canção em seu álbum homônimo de 1973.

Aí João dá um salto até o LP "Gagabirô", de 1984, de onde extrai "Prêt-à-Porter de Tafetá", letra de Aldir que mistura coisas de nossa cultura afrobrasileira com um pastiche francês "a nível de" sofisticação. Depois vem  "Abricó-de-Macaco", de João e seu filho Francisco Bosco, de disco de mesmo nome de 2020, que, teoricamente, dá nome ao show, mas de cujo repertório só tocam esta.

A próxima é a aclamada "De Frente para o Crime", do LP "Caça à Raposa", de 1975; três de 1982: "Nação", "Tanajura" e "Coisa Feita" (de Bosco, Blanc e Paulo Emílio), dos álbuns "Comissão de Frente" e "Não Vou Pro Céu, Mas Já Não Vivo No Chão". "Nação" foi gravada por Clara Nunes (1942/1983) em LP homônimo um ano antes de morrer.

A nona do espetáculo é "Odilê, Odilá", do álbum "Cabeça de Nego", de 1978; seguida por "Gênesis (Parto)", de "Tiro de Misericórdia", de 1977; avança para "Ronco da Cuíca", outra do "Galos de Briga"; e termina a temática do sofrimento dos escravizados africanos com "Sinhá", dele e Chico Buarque, que o carioca de "A Banda" gravou em 2011 em álbum homônimo e Bosco em "Mano que Zuera", de 2017.

Agora temos uns momentos de puro romantismo, com "Desenho de Giz", parceria com Abel Silva, gravado em "Ai, Ai, Ai de Mim" de 1986, e "Jade", do disco "Bosco", de 1989. 

A próxima é uma parceria com o ex-titã Arnaldo Antunes, "Ultra Leve", também do "Mano que Zuera", momento em que Bosco desinibe e troca umas ideias com a plateia. Diz que essa música entrou na apresentação anterior, e, apesar de a considerar algo na linha pós-bossa nova, o baterista Kiko viu algo de funk carioca nela.

Momento Elis

Mais descontraído, destaca que era 19 de janeiro e se recorda que, em 1982, estava em uma praia no Espírito Santo sem telefone quando ouve pelo rádio sobre a morte de Elis. Aí em sua homenagem toca "Transversal do Tempo", gravada por ela no álbum "Elis", de 1977, e que intitulou seu LP de 1978 (sem trazer a música). Como a letra fala de alguém preso em um táxi, com sinal amarelo eterno, eles tocam uma introdução instrumental como se fosse algo que estava passando no rádio do táxi.

Emenda com "Corsário", com "Concierto de Aranjuez" (Joaquín Rodrigo) na introdução. Elis cantou esta em especial da TV Bandeirantes em 1976 e foi lançada no álbum póstumo "Luz das Estrelas", de 1984. João a gravou no LP "Bosco", de 1989.

A última (antes do bis), claro, tinha de ser "O Bêbado e a Equilibrista", com a perene introdução de "Smile", de Charles Chaplin, que Elis sacramentou em seu álbum "Essa Mulher", de 1979, e Bosco em "Linha de Passe", do mesmo ano.

A música foi inspirada na morte do cineasta Charles Chaplin, em 25 de dezembro de 1977, mas a letra de Aldir acabou abordando coisas do Brasil da época e se tornou, espontaneamente, uma espécie de hino da anistia, promulgada finalmente em 1979.

Dizem que ela foi tocada por muitos em aeroportos em gravadores portáteis na recepção da volta dos exilados, entre eles o irmão do Henfil (Henrique de Souza Filho, 1944/1988), Betinho (Herbert de Sousa, 1935/1997).

O bis foi a grande "Papel Marchê", de Bosco e do baiano José Carlos Capinam, também do "Gagabirô".  A música ganhou projeção ao ser incluída  na trilha da novela global "Corpo a Corpo", de 1984/1985, tema do personagem de Antônio Fagundes (Osmar).

Foi um espetáculo digno do nome, com uma banda superentrosada e um João Bosco com uma voz firme e um violão singular que não tem como classificar. Bolero, samba-jazz, cabaré, gafieira? Só sei que, em alguns momentos, me parecia estar diante de sir Duke Ellington (1899/1974) conduzindo sua orquestra. 


Set list (música e álbum original):


1) Incompatibilidade de Gênios - "Galos de Briga", 1990

2) Bala com Bala - "João Bosco", 1973

3) Prêt-à-Porter de Tafetá - "Gagabirô", 1984

4) Abricó-de-Macaco (João e Francisco Bosco) - "Abricó-de-Macaco", 2020

5) De Frente pro Crime - "Caça à Raposa", 1975

6) Nação - "Comissão de Frente", 1982

7) Tanajura- "Não Vou Pro Céu, Mas Já Não Vivo No Chão", 1982

8) Coisa Feita (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio) - "Comissão de Frente", 1982

9) Odilê, Odilá- "Cabeça de Nego", 1978

10) Gênesis (Parto) - "Tiro de Misericórdia", 1977

11) Ronco da Cuíca - "Galos de Briga", 1990

12) Sinhá (Chico Buarque e João Bosco) - "Mano que Zuera", 2017

13) Desenho de Giz (João Bosco e Abel Silva) - "Ai, Ai, Ai De Mim", 1986

14) Jade - "Bosco", 1989

15) Ultra Leve (Arnaldo Antunes e João Bosco) - "Mano Que Zuera", 2017

16) Transversal do Tempo - "Galos de Briga", 1990

17) Concierto de Aranjuez (Joaquín Rodrigo) e Corsário - "Bosco", 1989

18) Smile (Charles Chaplin) e O Bêbado e a Equilibrista - "Linha de Passe", 1979

BIS

19) Papel Marchê (João Bosco e Capinam) - "Gagabirô", 1984 


* Exceto as indicadas, todas composições de João Bosco e Aldir Blanc




quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Grande Gabo!


Terminei de ler “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez, em tradução de Antonio Callado. Que livro! 

A escrita de Gabo já me havia surpreendido quando da leitura de “Cem Anos de Solidão”, e “Notícias de um Sequestro” (que interrompi e vou agora continuar). 

Ele parte da história real de seus pais - Gabriel e Luiza -, que se apaixonaram, mas o pai da moça não concordou com o relacionamento e mandou a filha para longe.

Porém, a chama da paixão não se apagou e Gabriel pai alcançou a amada por meio de uma corrente de operadores telegráficos que encontravam a menina onde ela estivesse.

Assim ocorre com os personagens principais do livro, Florentino e Fermina, com a diferença que só vão conseguir realizar o amor depois de 51 anos, nove meses e quatro dias, quando ela enviúva do médico Juvenal Urbino, com quem se havia casado depois de rechaçar Florentino.

O romance trata de temas como os variados tipos de amores, frustrados e realizados, a inexorabilidade da passagem do tempo, os arrependimentos ou regozijos pelas escolhas feitas, tudo em um cenário de um país em polvorosa tanto pela epidemia de cólera como pelas intermináveis guerras civis.

Um livro e tanto!


domingo, 12 de janeiro de 2025

Soul Hyldon

Hyldon e banda no Sesc Santana. Foto: Carlos Mercuri
Para comemorar os 50 de lançamento de seu primeiro LP, "Na Rua, Na Chuva, na Fazenda" (lançado em 21 de fevereiro de 1975 pela Polydor, atual Universal), Hyldon se apresentou sexta, sábado e domingo (10, 11 e 12 de janeiro) no Sesc Santana, zona norte da cidade de São Paulo.

O show teve 7 (pelo menos no sábado, quando assisti ao show) canções do disco, das 16 que ele tocou com sua banda formada por Guinho Tavares (guitarras e vocal), Zé Maria e Diogo Gomes (sopros), Rafael Oliveira (bateria), Rafael Garrafa (contrabaixo) e Márcio Pombo (teclados).

O disco de estreia tem nada mais nada menos que "Na Sombra de Uma Árvore", "Acontecimento", "As Dores do Mundo" e a faixa-título - também conhecida como "Casinha de Sapé" -, hits até hoje celebrados e regravados por figurões como Kid Abelha e Jota Quest. Hyldon toca ainda algumas de suas parcerias, como "I Don't Know What to Do With Myself", com Tim Maia, e "Baile Black", com Mano Brown.

Tim Maia, morto em 1998, é homenageado ainda com "Primavera", de Cassiano e Silvio Rochael, e "Velho Camarada" (Augusto César), gravado pelos dois mais Fabio, pseudônimo do paraguaio Juan Senon Rolón, outro dos precursores da soul music brasileira.

Cassiano, que morreu em 2021, é lembrado ainda com trecho de "A Lua e Eu" (Hyldn para de cantar antes do verso 'Estou ficando velho e acabado' - 'precisa manter a autoestima', diz) e "Coleção", ambas do paraibano com o carioca Paulo Zdanowski (Paul Zdan, morto em 2023).

Setlist (11/01/25)

1) Na Sombra de Uma Árvore *

2) Guitarras, Violinos E Instrumentos De Samba *

3) Acontecimento *

4) Sábado e Domingo (Hyldon, Nenem) *

5) Vamos Passear de Bicicleta *

6) Velho Camarada (Augusto César)

7) Primavera (Cassiano e Silvio Rochael)

8) A Lua e Eu (Cassiano e Paulo Zdanowski)

9) Coleção (Cassiano e Paulo Zdanowski)

10) I Don't Know What to Do With Myself (Tim Maia, Hyldon)

11) As Dores do Mundo *

12) Estão Dizendo Por Aí

13) Baile Black (Mano Brown, Hyldon)

14) Três éguas, um jumento e uma vaca

15) Homem Pássaro

16) Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda *


(*) Canções do álbum "Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda"
Todas as canções de Hyldon, exceto as indicadas

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Andanças



Foto: Detalhe da capa do LP 'Estradas'
Em setembro de 2019, fiz uma postagem aqui usando o título de uma canção de Paulo Diniz ('Ponha Um Arco-Íris em Sua Moringa'), a propósito de um certo "patrulhamento" que o obrigava a tomar posição (e partido) praticamente sobre tudo e o perigo de ser tachado de conformista ao tentar uma vida mais "relax".

Mais de quatro anos depois, o que se vê é que não há como relaxar; quem participa de alguma (ou algumas) rede social não tem descanso. E agora, com a big tech Meta (dona do Facebook, Instagram, WhatsApp, Threads, Messenger etc.) decidindo liberar geral, a coisa tende a piorar, com o agravante de a Inteligência Artificial ser empregada para disseminar o mal.


Por isso, foi um alento me deparar esta semana com o episódio do ótimo "Rádio Novelo Apresenta", que traz duas ótimas histórias de estrada, "Romarias".


A primeira história aborda a aventura do Paulo Diniz e seu parceiro, o escritor, poeta e editor Juareiz Correya, ambos pernambucanos. No começo dos anos 1970, os dois se conheceram a resolveram pegar a estrada - a pé - sem rumo definido, numas de se autoconhecer e desbravar o Nordeste de então.


A aventura durou mais de um mês e foram percorridos cerca de 600 quilômetros, de Recife (PE) a Juazeiro do Norte (CE). A epopeia resultou ainda no LP "Estradas", de Diniz, lançado pela Odeon em 1976, com cinco das doze canções em parceria com Correya.


No podcast, Juareiz Correya é entrevistado pela filha, a jornalista Mariama, que da história só conhecia fragmentos. Além de todo o repertório de Brasil e humanidade que a narrativa traz, dá aquela vontade de largar todo esse mundo virtual muitas vezes nocivo e meter o pé na estrada para ver a vida real.


O segundo episódio conta a história dos Guardiões do Bem Viver, coletivo de juventudes que atua no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém (PA), e sua mobilização contra a exploração de mineradoras, agronegócios e grilagem. Um belo exemplo de luta sem violência e de engajamento... de verdade.