O Barquinho Cultural

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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Fratura exposta

Assistimos à montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Gabriel Villela, em São Paulo. Este é um texto clássico, de 1943, que marca o início do teatro moderno brasileiro, graças também à direção revolucionária de Ziembinski. A atual montagem, se não se pode dizer que seja revolucionária, ao menos inova na solução para os três planos indicados por Rodrigues: a alucinação, a realidade e a memória. Villela optou por fundir as três dimensões e trabalhar com luzes, interpretações e figurinos para demarcá-las, mas há momentos em que nada se distingue, e é, a meu ver, proposital, pois estamos vendo uma protagonista - Alaíde, de Leandra Leal - atropelada e entre a vida e a morte. É um bom teatro, com atuações corretas de Marcello Antony (Pedro), Vera Zimmermann (Lúcia) e Luciana Carnieli (Madame Clessi), além dos demais atores do elenco. Os figurinos estilo brechó e a trilha sonora (de Daniel Maia) povoada de tangos e boleros antigos dão um aspecto meio barroco à montagem - quiçá rococó. O cenário também impressiona: um portal que ora serve de altar ora de sepultura, acrescentado, conforme a cena, de praticáveis e cadeiras que os atores levam e trazem. Ou seja, não há os três níveis da montagem de 1943, e isso o diretor defende que não se há necessidade de ser explícito, pois o público, hoje, está acostumado com a complexidade. Concordo, até porque espero que nunca o teatro se renda à poética da televisão, que tudo pasteuriza e simplifica, nada contribuindo para a formação de um público de artes cênicas. É bom, pois, que atores de novelas façam teatro e o façam bem, e que ao menos as pessoas que vão ao teatro atraídas pelos atores globais criem o hábito de ver e entender outras linguagens. Nelson Rodrigues é um autor que eu admiro e tenho lido há algum tempo. Confesso que sou mais leitor de suas crônicas - inclusive de futebol - do que de sua obra teatral, mas essa é uma lacuna que pretendo preencher logo. O livro de crônicas A menina sem estrela, com textos recolhidos por Ruy Castro dos jornais para os quais Nelson escreveu, é de uma beleza ímpar, textos de uma força e uma precisão que impressionam e nos fazem ficar com boa inveja e desejar escrever de tal maneira, tão simples e tão profunda. Lê-se no Anjo Pornográfico, do mesmo Ruy Castro, que o jornalista, dramaturgo e escritor era prolífico, trabalhava muito, e teve uma vida cheia de tragédias - talvez venha daí sua facilidade de descrever tantas desgraças em seus textos. E esse Vestido de Noiva é cara dele. Dizem que é seu primeiro texto freudiano. Bem, isso não sei, mas é um texto carregado de culpas, complexos, repressões, hipocrisias, ou seja, bem rodrigueano. Ler - ou ver - Nelson Rodrigues é deparar-se com a sordidez humana e ter uma reação qualquer, seja um sorriso amarelo, ou um rubor na face, nunca a indiferença.

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