O Barquinho Cultural

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sexta-feira, 29 de maio de 2009

A desalambrar

É noticiada hoje a prisão de um dos militares que mataram o chileno Victor Jara durante a ditadura de Pinochet. Aos 16 de setembro de 1973 - exatos cinco dias após o golpe que derrubou Salvador Allende e pôs os militares no poder -, Jara era executado no estádio que depois seria rebatizado com seu nome, diz a notícia que com 44 tiros de fuzil, depois de ter as mãos quebradas com os canos das armas. Quando eu soube da história do compositor de Te Recuerdo Amanda, se dizia que ele teve as mãos quebradas para não fazer mais músicas revolucionárias, ao que teria respondido que fazia música com a cabeça, não com as mãos. Bem, houve até versões que se lhe tinham decepado ambas as mãos. O que importa é terem sido as mãos o objeto da ira e do sadismo dos jovens soldados. Sim, porque esse Adolfo Paredes Márquez que foi preso agora tinha 18 anos na época. E Jara, 40. Quebrar as mãos para que ele não mais tocasse seu violão? Para que não escrevesse suas canções? Ouvi falar de Jara no começo da década de 80, quando comecei a frequentar o grupo de jovens da igreja Nossa Senhora das Dores, na vila Palmares, em Santo André. O padre lá, Rubens Chasseraux, era da linha progressista - era, porque já há mais de 20 anos que ele mudou de lado - e as missas eram povoadas de canções latino-americanas, os trabalhos de base focavam os pobres e despossuídos (o padre tinha um trabalho junto à favela do bairro que se tornou símbolo mundial). Então vivíamos cantando Jara, Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, Gabino Palomares e outros. E aprendi a admirar esse homem que, antes de se firmar como cantor e compositor, foi ator e diretor teatral de grande brilho, além de jornalista e professor. Suas canções falam da vida do povo, dos trabalhadores, de injustiças. Cantávamos A Desalambrar em nossas reuniões cheias de violões (até eu, na época, meti-me a tentar aprender o instrumento) com um vigor como se o simples cantar derrubasse mesmo as cercas que separavam as propriedades privadas dos campesinos sem terra (o MST iria só surgir, como organização, 4 ou 5 anos depois, mas já havia sementes por aí). Bem, não me tornei um bom revolucionário, como era de esperar. Mas o que aprendi e conheci nessa época constituíram meu pensar e meu agir. E posso hoje ler essa notícia e pensar, com angústia, nesse tempo em que "falar de flores era até um crime pois implicava calar sobre tantos horrores" - conforme Brecht.
Gazeta Mercantil - O "jornal de economia do Brasil desde 1920" informou hoje na capa que esta era a última edição sob a responsabilidade da Editora JB S.A. O dono da editora, Nelson Tanure, devolveu a marca à família Levy, alegando dívidas trabalhistas inadministráveis. Não se sabe, ainda, se o jornal voltará a circular em breve ou algum dia. São 60 jornalistas que estão apreensivos, porque obviamente não serão todos que poderão ser reaproveitados em outros títulos da Cia Brasileira de Mídia. É uma pena, mesmo. Sempre gostei da Gazeta, a qual comecei a ler quando era bancário no Noroeste, nos anos 80. Sempre que os gerentes iam embora, no final da tarde, eu ficava mais um tempo na agência e pegava uma edição abandonada na mesa de um deles e lia, mesmo sem entender muito, mas com curiosidade e aplicação. Acho que foi a Gazeta, junto com a revista Visão, que eu assinava, que me fizeram pegar gosto por temas econômicos, apesar de ir concentrar meu trabalho nessa área apenas 10 anos depois de ter iniciado minha carreira de jornalista. Mas gostava dos textos elegantes e precisos do jornal. E de sua postura sempre tão formal, os desenhos de bico-de-pena antes de a fotografia e a cor tomarem conta do jornal à guiza de modernização. Lembro como se referiam ao então sindicalista Lula como sr. Luiz Inácio da Silva (rs). Tentei trabalhar lá uma vez, mas não deu certo, porém teria sido uma experiência interessante. Conheço muitos profissionais de lá, e fico chateado, mas com certeza a gente vai se encontrando por aí e no fim todos se acomodam. Fica apenas no ar um gosto amargo de ver um grande jornal deixar de existir, depois de anos definhando e sem futuro certo.

2 comentários:

Unknown disse...

otimo carlinhos fico orgulhoso de vc; aindo lembro das nossas bagunças ai na palmares vejo seu blog quase todos os dias.

Carlos Mercuri disse...

Caramba, é vc mesmo Jorge? Nem imaginava que vc lia meu blog, por que não comentiou antes? Acho que foi essa lembrança de agora que lhe motivou né? Victor jara, lembra? A nossa formação está aí né? Saudade de vc, cara, vê se aparece. Beijão a vc e a tua família.