O Barquinho Cultural

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sábado, 2 de março de 2013

Meu currículo



Trabalho praticamente desde os nove anos de idade. Calma: não fui vítima da execrável exploração da mão de obra infantil. O fato é que era um prazer em minha tenra idade ficar atrás do balcão do negócio de meu pai, uma papelaria que também vendia discos – um paraíso para mim, sempre amante de boa música (há controvérsias, mas gosto não se discute, né?).

Ele comprou a loja, no Ipiranga, zona sul da capital paulista, no fim do ano de 1970, quando do lançamento do, para mim, um dos melhores discos do Roberto Carlos (aquele que tem “Ana”, “Meu Pequeno Cachoeiro”, “O Astronauta”, “Minha Senhora” – o de 1971, com desenho dele na capa, com “Detalhes”, “Como Dois e Dois”, “Debaixo dos Caracóis de Seu Cabelo”, “Amada Amante”, é o melhor, em minha opinião).

Era época de Natal, e a antiga dona, esperta, só entregou o estabelecimento depois da data, para aproveitar as vendas. Mas permitiu que meu pai trouxesse alguns brinquedos para casa. Foi uma festa para mim e minhas duas irmãs. Pena que, depois, levou tudo de volta...

Início de ano, listas de material escolar. Movimento forte. Aprendi a usar a calculadora, ainda mecânica, de bobina de papel; a estocar, etiquetar preços, ajudar na vitrine, organizar os discos. Vem daí minha mania de ler o disco todo, da capa e contracapa ao selo, e encartes, quando havia. Assim, acostumei-me a conhecer o nome dos compositores, dos instrumentistas, arranjadores, enfim, toda informação que o disco (que, na época, tinha que mencionar que era cultura) trazia.

Foi assim que soube do fim do Beatles. Recebemos os compactos simples individuais dos quatro e observei o selo da maçã verde em todos eles. Vi o nome dos artistas e compositores e confrontei com o último LP do grupo, “Abbey Road”, e saquei que algo havia acontecido. Sem Internet na época, a notícia da separação só conheci depois.

Pouco depois, fiquei com a tarefa de ir à avenida São João, no centro, comprar no atacadista os discos para vender lá. Meu pai fazia a lista do que queria (era pequena a loja, e só comprávamos os principais) e eu trazia, mas sempre acrescentava alguma novidade por minha conta, geralmente olhando a parada de sucessos que ficava pregada na parede do distribuidor. Geralmente acertava na escolha e o disco era bem vendido.

A papelaria durou pouco e, de volta ao ABC, passei a fazer inúmeros bicos, mais para descolar algum para o picolé, a tubaína e os chicletes. Vendi limão e sorvete na rua, doces em um circo, fiz carreto na feira, ajudei em obras e o que aparecesse.

Já aos 16, meu primo me descolou um trabalho na limpadora em que ele era motorista. Fui por causa do registro em carteira, que me permitiria trocar o turno na escola para a noite e, depois, arrumar algo melhor. Fui ser lavador de vidros. Trabalhava na maior parte do tempo em concessionárias de veículos,  mas cheguei a ir também a empresas e até a um apartamento em reforma. O registro demorou três meses para sair, perdi o prazo para transferência e acabei ficando lá uns seis meses.

E aí veio o período de serviço militar, dificuldade de conseguir trabalho. Fui ser ajudante de caminhão, que dava um bom dinheiro, mas tinha que madrugar para conseguir vaga. Carregava quase sempre peso acima de minhas forças e eventualmente não tinha grana para o almoço. Mas o pagamento era feito às sextas-feiras, e já garantia a compra de uma boa calça de grife (adquirida em lojas de fábrica, o que hoje se chama outlet), o cigarro e a entrada da danceteria (balada, atualmente).

Depois dos  seis meses de serviço no Tiro de Guerra, resolvi que queria trabalhar em banco. Fui à rua no Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo, onde havia agências e em cada uma delas obtive o endereço do recrutamento e seleção. Depois, ao centro da capital tentar a sorte. Consegui, em agosto de 1980, graças à minha habilidade com calculadoras obtida na papelaria, começar como auxiliar de agência no Noroeste (hoje extinto, adquirido pelo Santander). Era em frente à escola em que estudei nos tempos de loja no Ipiranga, escola esta que me causou vários traumas, que ainda será assunto de um futuro post.

Fiquei oito anos no banco, tive três promoções (caixa avançado, conferente de caixa e tesoureiro), aprendi muito, fiz muitos amigos, que, infelizmente, não tive mais contatos. Sem querer puxar a sardinha para a minha brasa, desenvolvi um método de procura de erros que me destacou no emprego. Quando a contabilidade não batia ou algum caixa fechava o dia faltando dinheiro, era eu chamado para achar o problema. E achava. Inclusive pude descobrir algumas falcatruas, mas isso é outra história...

Entrei na faculdade de Jornalismo da Metodista, de São Bernardo do Campo, dois anos depois de entrar na agência. Quando saí do banco, em setembro de 1988, estava para me formar e, concluído o curso, fui a busca de ingressar na área, o que consegui, em dezembro desse ano, na revisão do jornal O Estado de S. Paulo, onde fiquei três meses, por se tratar de contratação temporária, pois, pouco depois, o setor foi extinto.

Fiz também vários amigos lá, felizmente esses eu tenho contato com a maioria até hoje. O que permitiu que conseguisse vários frilas, tanto com revisão como em reportagem. Havia prestado concurso público para a Prefeitura de Santo André e fiquei em segundo lugar. Fui chamado no começo de 1989 para trabalhar na Assessoria de Comunicação, cobrindo a Secretaria de Saúde. Fiz de tudo lá (até ilustração!): jornais, folhetos, boletins, folders, cartazes, releases, atendimento à imprensa, manuais, enfim, tudo que se havia para publicar.

Em junho do mesmo ano, indicado por amigos do Estadão, entrei na revisão do Diário Popular (hoje Diário de S. Paulo). Como era para o final da tarde, deu para compatibilizar os dois empregos. Revisava os textos, em dupla (como no Estadão), que vinham em laudas da redação após a edição, apontávamos as emendas (correções) e remetíamos às oficinas. Vez em quando tínhamos que atuar como copidesques, entrando em contato com o editor ou repórter para esclarecer um trecho ou corrigir uma informação. Eles ficavam um tanto putos, mas, enfim, o importante era a matéria sair correta.

Finda – de novo – a revisão do jornal, fui ser copidesque na editoria de Geral, por três anos. Tinha que ler as matérias dos repórteres, checar a correição ortográfica e do conteúdo. Fundir várias matérias para obter um texto final, cortar – ou alongar, às vezes – para caber na diagramação, fazer os títulos, escolher as fotos e legendá-las. E, mais uma vez, solicitar aos repórteres o esclarecimento de algo não muito preciso no texto. 

Ainda no Dipo, cobri férias e licenças em outras editorias, passado por Economia, Política, Sindical, Polícia, Internacional e o caderno de TV.  Uma curiosidade: nessa época conseguir a sinopse dos capítulos das novelas era uma verdadeira novela, mas conseguíamos. Hoje, as próprias emissoras fornecem os resumos.

Esse duplo emprego durou cerca de seis anos e, por circunstâncias diversas, perdi os dois quase ao mesmo tempo. Mais um período de frilas em revistas até que, em julho de 1996, fui ser assessor no diretório nacional do PT. Comecei atuando no grupo especial de eleições, captando notícias das campanhas de cidades-chave em que o partido concentrava os esforços. Elaborava um boletim, que era enviado às instâncias partidárias e à imprensa e, eventualmente, atendia aos jornalistas. Conheci várias figuras que, anos depois, ganhariam destaque na imprensa nacional. E muitas que já o tinham havia tempo.

Passadas as eleições, continuei lá, tocando o projeto de um jornal nacional do partido. Paralelo a isso, redigia também um boletim diário, com informações obtidas, agora, nos governos municipais e estaduais que o PT passou a exercer e nos diretórios municipais e regionais. O jornal saiu, era quinzenal, eu o editava com outra garota e contava com a colaboração dos outros jornalistas do diretório. Não sei se o jornal teve sobrevida, mas foi uma tentativa importante e gratificante.

Convidado por um colega, em março de 1998 troquei o partido pelo Diário do Grande ABC, em Santo André, onde fui para a reportagem de Economia. Cobria empresas, negócios, macroeconomia e os órgãos que discutiam e planejavam o desenvolvimento regional; fiz em seguida reportagens especiais, abordando temas com mais profundidade, e mais tarde assumi a coluna da editoria, com notas de bastidores conseguidas junto às fontes empresariais e governamentais.

Toquei depois a pauta, coordenando a reportagem e organizando o que seria publicado no dia e nos especiais de fim de semana. A última função foi como editor-assistente, fechando páginas, escolhendo fotos, fazendo títulos, legendas, enfim, toda a rotina de levar o trabalho dos repórteres a estar publicado no jornal na manhã seguinte. Nos plantões de fim de semana, como o caderno de Economia já estava fechado, atuava nas editorias de Cidades e Esportes.

Em março de 2001, a Agência Estado me admitiu para tocar um projeto de sinopses para o recém-criado AE Setorial. Durante a madrugada, pegava as matérias de negócios e empresas de todos os principais jornais e fazia um resumo. Pouco depois, fiquei de manhã editando notícias de economia, finanças e negócios para outros serviços da empresa.

Retornei à madrugada para ampliar os serviços de sinopses e, mais para frente, assumi a edição do Newspaper, um boletim com as principais notícias dos jornais e dos programas jornalísticos de TV distribuído a assinantes. Cheguei ainda a apresentar um boletim diário de 15 minutos na, então, rádio Eldorado, junto ao âncora da madrugada, apresentando os destaques do Newspaper.

Nos últimos anos de AE foi acrescentado às minhas funções alimentar diversos outros serviços com notícias de agências internacionais e material próprio, dentro do projeto da empresa de atuar por 24 horas. De maio do ano passado até minha saída, em janeiro último, de volta ao turno da manhã, passei à equipe de edição do material fornecido a outros veículos de comunicação, tanto impressos como por meio digital.

Durante todo esse período, nunca parei de estudar, fazendo cursos rápidos e pós-graduações. Estudei comunicação mercadológica, participei de inúmeros seminários e workshops, cursei política e relações internacionais, um MBA em derivativos e informações econômico-financeiras, alguns cursos rápidos de economia, fotografia, história do cinema, inglês e espanhol. Cogito, agora, ingressar em um mestrado, após três tentativas frustradas. Enfim, pique não me falta e, agora, nem tempo.

Um balanço rápido dessa jornada: penso que muito aprendi, muito também ensinei, nunca fugi de uma responsabilidade e tive pouquíssimas faltas ao trabalho. Mas, o que me satisfaz, sobremaneira, é que, como em muitas ocasiões fui chamado a gerir equipes, posso apresentar um saldo positivo, uma vez que mais admiti e promovi do que demiti colaboradores. É o que me faz ter a consciência tranquila.

7 comentários:

Paulo disse...

Sou testemunha de alguns capítulos desse extenso currículo. Vivendo-os por dentro, ou observando-os a distância. Aprendi e me diverti muito com eles.
Boa sorte, amigo.
Paulo Donizetti

Carlos Mercuri disse...

Caraca, PD!!! Vc leu meu blog!?!?! Por onde anda, rapaz? Me dê um meio de falar com vc... abs..

Unknown disse...

Oi, Mercuri. Com certeza, foi o currículo mais interessante que já li. Não me surpreende, afinal vc sempre foi fora do comum. Dividimos alguns desses momentos e deles eu lembro com muito carinho. Às vezes, teu nome sai em algumas conversas com coleguinhas. Aquele tipo raro de quem ninguém fala mal. Grande companheiro. Abração

Carlos Mercuri disse...

Obrigado, Unknown... Acho que alguém deve sim falar mal de mim, mas não é importante.. Gostaria de saber quem vc é? Abs

Unknown disse...

Oi, Mercuri. É Evelyn, meu querido, anta tecnológica. Bjs

Unknown disse...

a anta sou eu, claro...rs

Carlos Mercuri disse...

Ah, que legal, Evelyn... Adorei saber que vc leu este blog e que alguém por aí se recorda de mim. Também guardo com carinho ótimas lembranças de vc e de toda galera com quem já pude trabalhar. Felicidades, querida. bjs