O Barquinho Cultural

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terça-feira, 12 de março de 2013

A propósito de papas e conclaves

Foto: Johannes Eisele/AFP


Nesses dias de reencontro com amigas que havia anos não tinha contato, uma reflexão me vem à cabeça, e tem a ver com essa eleição que hoje se iniciou para o próximo papa da Igreja Católica. Não professo essa religião, nem batizado e crismado sou; primeira comunhão a tive já aos 19 anos, e sem ter passado pelos procedimentos que me parecem necessários para ingerir o corpo e o sangue do Cristo. Porque minha família é de origem protestante, não esses neopentecostais de agora, que conseguiram até introduzir um membro cheio de preconceitos em uma comissão importante da Câmara dos Deputados. O fato é que, nessa igreja de meus pais, não se batiza recém-nascidos, e, quando atingi a idade de o ser, eles tinham saído da religião, não por vontade própria, mas por algo que eu nunca soube direito. Enfim: sou pagão. Vou para o inferno ao morrer, dizem.

Mas, no começo de 1980, fui atraído à paróquia de meu bairro para participar de um grupo de jovens que se reunia para discutir religião, ensaiar para o coral da missa e fazer algum trabalho pastoral junto às favelas da região. Confesso que o argumento que meu amigo usou para eu lá ir foi o de que havia muitas meninas bonitas participando. Eu, aos 19 anos, reco (para quem não sabe, o garoto que está prestando o serviço militar obrigatório), achei a ideia interessante e lá fui. Ele tocava violão e logo se tornou popular na comunidade (nome que dávamos ao grupo).

Para mim, foi uma virada total. Tinha, nesse tempo, algo de errado na mente, uma insatisfação com o rumo da vida, um passo em falso e cairia para um campo que nenhum pai sonhou em ver o filho seguir. Essa comunidade foi um tipo de redenção: encontrei lá pessoas que comungavam das mesmas expectativas, sonhos, frustrações, desejos de dar algum sentido à existência. E entender esse Deus que, na religião de meus pais e avós, era tão opressor, tão regulador, regrado, controlador...

Em pouco tempo houve eleição para a coordenação do grupo e me incentivaram a me candidatar. Foi a primeira (e única) vez que postulei a um “cargo” eletivo. Fiquei em segundo lugar e assumi a vice-coordenação do Juba (era esse o nome que deram à comunidade, sigla de “Juventude Unida Baseada no Amor”). Minhas tarefas eram, entre outras, escolher o tema de discussão da reunião semanal, procurar na Bíblia alguma passagem que tivesse a ver com o assunto, redigir a ata da reunião e substituir o coordenador em sua ausência.

Gostei da coisa. O grupo era acompanhado pelos seminaristas da paróquia, uma galerinha que lá se preparava para ser padre um dia, em um seminário meio fora do comum, organizado pelo pároco, um sujeito de origem francesa que tinha um trabalho junto aos moradores de favelas e seguia o que se denominou Teologia da Libertação, com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) atuando junto à população em um sentido de tornar a Igreja Católica mais voltada aos “oprimidos”, com a premissa de que foi a esse povo que Jesus se dirigia quando aqui esteve.

Até cheguei a cogitar a possibilidade de entrar nesse seminário, me tornar padre. Mas a paixão arrebatadora por uma menina linda do grupo frustrou meus planos. Não rendeu nada com a garota e a vocação acabou não se manifestando. E o resto é história.

O que importa aqui é o fato de eu ter, nesses últimos dias, me reencontrado com pessoas que participavam desse grupo naquela época, pessoas que fiquei muito tempo sem ver e ter notícias, e revê-los foi muito intenso, foi um resgate de uma pessoa que julgava esquecida lá dentro de mim, que perdeu um pouco da ilusão, da ingenuidade, dos sonhos. Que teve que encarar a realidade, sem desistir, contudo, de acreditar na possibilidade de o mundo ficar melhor, mais justo, mais igualitário.

Éramos fãs dos papas Paulo VI e João XXIII; este promoveu o Concílio Vaticano II, trazendo a Igreja para mais perto dos pobres, e aquele deu continuidade a esse trabalho (posso estar falando besteira, mas escrevo de memória, sem pesquisa; se alguém contestar e esclarecer, agradeço).

Depois de mais de um ano de atividades no Juba, resolvemos montar um grupo de teatro amador, o Tupi (Teatro Unido Popular Independente – gostávamos de meter “unidos” em tudo [rs]), para fazer um trabalho mais lúdico e provocar discussão junto aos expectadores. Montamos a peça “A Invasão”, de Dias Gomes, mas mudando o final, para melhor condizer com os fatos pós 31 de março de 1964. Levamos a montagem por um ano a favelas, comunidades de bairro, sindicatos, clubes, onde houvesse gente a fim de debater a realidade (!).

O grupo extinguiu-se com o surgimento do PT, o padre mudou sua postura e voltou à antiga prática católica de promover encontros de casais, catequização, grupos de estudos bíblicos e de corte e costura, enfim, largou um pouco a mão daquele trabalho social. E a Igreja também, com João Paulo II, seguiu esse rumo. Pouco depois, em 1985, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (coisa que remonta à Inquisição), Joseph Ratzinger, condenou ao silêncio o frei Leonardo Boff, um dos teóricos da Teologia da Libertação, por causa de seu livro “Igreja, Carisma e Poder”.  A Igreja Católica mudava, e Ratzinger, depois papa Bento XVI, parece que levou essa “nova” doutrina ao paroxismo. Ele que renunciou ao cargo no último dia de fevereiro deste ano.

Agora, os cardeais estão a escolher seu sucessor. Não tenho tido interesse em acompanhar o processo. Há muito deixei de me importar com os rumos dessa igreja, mas pelo que tenho ouvido e lido, essa religião continua distante dos tempos atuais, das questões fundamentais que importam ao seu rebanho, em nome, talvez, de igual opressão, regulação, regras e  controle da igreja de minha infância. Assim, fico com meu Deus, e a ele me dirijo sem intercessão de algum de seus pastores. Se me ouve, não sei. Mas imaginar que alguém zela por você em algum canto dá um certo conforto.

2 comentários:

Isabela Mercuri disse...

Jesus veio exatamente pra libertar e deixar que as pessoas cheguem a Deus sem precisar de intercessores! O único intercessor é ele mesmo! "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai a pai senão por mim." :)

Carlos Mercuri disse...

É isso mesmo, filhinha... É capaz de, se Jesus voltasse à Terra nos dias de hoje, o papa não o reconhecesse...bjs..