O Barquinho Cultural

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sábado, 14 de março de 2015

A música sem fronteiras da sergipana Héloa

Atriz, cantora, compositora, contadora de histórias (foto: Divulgação)
Essa bela morena de 26 anos, natural de Aracaju, está surpreendendo o Nordeste com seu primeiro trabalho, o EP “Solta”, lançado em 2013, e, quando esteve em terras bandeirantes, não passou despercebida. Sua música é igualmente surpreendente. Tem lá uma sonoridade contemporânea, guitarras potentes, uma eletrônica bem colocada, mas, de repente, a música pega um atalho e nos remete a uns tempos que ficaram registrados na memória de quem tem uns anos a mais que ela.

Ouço um órgão típico do rock setentão, aí entra uma guitarra com efeitos que os chamados bregas adoravam... Um trompete irrequieto. Outra mudança de caminho e lá estão ritmos latinos, jamaicanos, entram coisas do Norte, carimbó, sonoridades diversas que são harmonizadas perfeitamente, sem soar como aquelas misturebas sem noção que muitos fazem para parecer ecléticos. Aí você ouve a voz...

A voz de Héloa merece um parágrafo à parte. Afinadíssima, quente, sem arroubos de virtuosismo. Mas com alcances perfeitos. Ela navega com tranquilidade nos momentos de romantismo, quando se exige aquela tonalidade mais intimista; mas arrebenta nos lances mais agitados, sem perder a pose nem o fôlego. Uma menina que leva um forró tão na boa quanto o mais doido rock.

As letras das músicas de seu EP parecem um recado a... quem sabe... Ela diz que suas composições se inspiraram em fatos de sua vida, em amores e desamores. Mas se há bronca, ela é feita com delicadeza, com aquele tom de “quem perdeu foi você, playboy”. Justo. A fila vai andar, como diz em “Sai deste corpo” (que tem a participação de sua ídola Andrea Dias), que termina com umas risadas que, acredito, o infeliz que se identificar com a canção terá muita unha para roer.

“Entra na dividida” me lembra aquelas músicas de Diana, Nalva Aguiar, aquele orgãozinho tão típico da época, mas mesclado com uma guitarra distorcida modernosa. Palmas... Um luxo. Aí vem a frase falada em timbre de radinho de pilha. Pobre do cara. Nunca mais unir as meias.

“Nós dois” é um diálogo de um casal, também em rádio, na certa remetendo às radionovelas, das quais ela é fã – apesar de ter nascido muitos anos depois de essa modalidade de entretenimento sair do ar.

“Solta” começa com uma voz que lembra um pouco Vanessa da Mata, mas na segunda parte entra outra modalidade, mais ácida, na onda da letra. Que desamores essa menina andou vivendo? Solta porque ninguém a segura. “Me deixou? Agora segura... Não quero mais voltar... Ainda bem que foi assim”. Não tem como não se apaixonar...

Héloa Rocha é filha do músico e folclorista Jorge Ducci, que a incentivou a estudar canto aos 14
Héloa faz teatro desde os 17 anos (foto: Divulgação)
anos, mas acabou se formando em Artes Visuais e se dedicou ao teatro. Mas a música a chamou de volta e desde 2009 vem trilhando seu caminho, perseguindo uma linguagem própria. Apresentou-se no ano passado, com ótima  repercussão, na 13ª edição da Feira da Música de Fortaleza, um evento que busca dar visibilidade e viabilidade à cadeia musical do Brasil.

Atualmente, além de cantar, leva uma oficina de teatro para treinar a desinibição e melhorar a performance de quem tem que lidar com o público e ainda faz um trabalho de contação de histórias para crianças.

Nesta semana, seguia em turnê de dez dias por cinco cidades dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, em evento que faz parte do Circuito Cultural Banco do Nordeste e do projeto Arte Retirante, que leva shows de artistas nacionais para cidades do sertão nordestino.

No segundo semestre deste ano, entra com tudo na produção de seu CD. E, notícia das mais alvissareiras: fará a produção aqui em São Paulo, e com a promessa de nos brindar com algumas apresentações.

Na sexta-feira 13, depois de contar histórias a crianças em Sousa, na Paraíba, Héloa concedeu, por telefone, uma entrevista ao Blog por Bloga. Seguem trechos desse bate-papo:

Bloga: Conte um pouco sobre você, sua formação, sua vida...

Héloa: Sou formada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Sergipe e trabalho com teatro já há 13 anos, e tenho o trabalho paralelo em música, um trabalho autoral. Lancei o EP “Solta” em 2012 e estamos circulando. Já estivemos em São Paulo, pelo Nordeste, e no segundo semestre deste ano vamos parar para gravar o disco. Ao lado disso tenho esse trabalho com crianças, de contação de histórias, e tenho também um trabalho de oficinas de teatro, no qual trabalho com crianças e adultos, que é o Teatro Funcional, que trabalha a postura, um pouco de psicologia. Mas a música é o que tenho focado mais nesses últimos tempos, e tento conciliar com as outras atividades.
EP "Solta" é de 2012 (foto: Reprodução)


Bloga: Você tem formação em teatro. Como acabou entrando no meio musical, como cantora e compositora? Quem é seu pai?

Héloa - Meu pai é músico, Jorge Ducci, tem o projeto Sulanca, em Sergipe, que é uma banda que trabalha com o folclore sergipano, e minha formação tem muito a ver com ele. Comecei a estudar canto por influência dele, aos 14 anos, e também por conta de minha mãe, minha avó, todos muito ligados à música, todos lá em casa gostam muito de cantar, então a minha formação foi muito dentro de minha casa.

Bloga - O que você ouvia em sua infância, juventude?

Héloa - Ouvia muito Dalva de Oliveira, as cantoras do rádio com minha avó, sempre gostei muito de MPB, ouvia muito rock dos anos 70, e também outros ritmos regionais, porque sempre viajei muito com meu pai em seu trabalho com o folclore, além dos ritmos africanos, porque minha mãe é ialorixá, é do candomblé há mais de 15 anos, e os ritmos afro também influenciaram muito nosso projeto. Então é basicamente este mistura de ritmos regionais com os universais e faz essa referência do antigo, a garotada da década de 60 e também da década de 20, fazemos a referência das radionovelas.  No CD a gente talvez vá em outra vertente, explorar mais o amadurecimento que veio de nossa caminhada, mas dando continuidade ao que a gente já fez até agora.

Bloga - Você disse que ouve muito as novas cantoras. Quem você admira delas?

Héloa - Eu ouço muito, admiro muito a Andreia Dias. Quando comecei, eu a ouvia muito, e foi uma das primeiras cantoras com quem fiz amizade, foi uma grande inspiração para mim. A gente se conheceu, ela fez um show comigo em Aracaju. Gosto também da Céu, da Tulipa Ruiz, e essa nova MPB é uma das grandes influências para mim. E tenho trocado bastante figurinhas com elas e com os novos cantores e esses contatos todos servem de inspiração para o nosso trabalho.  

Bloga - Como é a cena musical em Sergipe, no Nordeste: há um público cativo para as novas experiências? Há espaços que valorizam, chamam para tocar?


Héloa - Nessa Feira da Música, que é um evento grande em Fortaleza, que foi agora em novembro, fomos selecionados por edital, foi um show bem bacana. Esta é a primeira vez que a gente faz uma turnê pelo Nordeste. Já fomos para São Paulo, logo depois de lançar o EP, e agora estamos nessa turnê no Nordeste. Acho que o cenário musical do Nordeste é bem rico, particularmente em Sergipe temos muitos artistas que já estão no cenário nacional, como a Coutto Orquestra, a The Baggios, que se apresentaram no projeto Prata da Casa , do Sesc Pompeia, e a gente está sempre em contato. Particularmente eu acho que, apesar de Sergipe ser o menor estado do Brasil, proporcionalmente tem uma gama de artistas interessante. E são bandas que fazem muita mistura. A Coutto mistura muitos ritmos sergipanos, a The Baggios, por exemplo, trabalha algumas histórias do interior do estado, e servem de inspiração. Em meu trabalho eu também trago isso, eu trago referências religiosas, como as festas de Santo Antônio, e percebo que nessa turnê pelo Nordeste as pessoas se identificam muito com esse tipo de acontecimento. E também há coisas que a gente traz e as pessoas vão ver por curiosidade, acabam conhecendo as novidades, o que é muito interessante fazer essa troca de culturas

Bloga - Qual é a ideia por trás de toda essa mistura dos ritmos tradicionais com os novos, tem bossa nova também, rock...

Héloa - A gente costuma dizer que é uma música sem fronteiras. Eu busco construir muito em cima de minha experiência de vida, do meu teatro, de minha família, essas referências são muito ligadas à minha construção pessoal, não é à toa que é um disco autobiográfico, que reflete histórias que eu vivi, problemas de amores, coisas que passaram na minha construção. Então esse primeiro EP é baseado muito na minha construção pessoal e mostra um pouco quem é Héloa. O CD já virá com todo esse amadurecimento, trará as vivências das turnês que a gente fez, já vem com outra cara. A gente busca não rotular nosso trabalho. No show a gente leva um repertório todo autoral, de 15 canções, outras que não estão no EP. A gente trabalha com muitos ritmos, como o forró, que é uma referência muito grande, e a gente mistura o forró com o reggae.

Com a nova banda, começa a gravar em agosto o 1º CD (foto: Divulgação) 

Bloga - E sua banda: quem são, o que cada um toca? É sua banda de apoio ou sua banda mesmo?

Héloa - Estamos juntos desde o ano passado, e é uma banda com quem tenho realmente me firmado, são cinco pessoas comigo, a formação é baixo, guitarra, bateria e teclados. Vinicius Bigjohn, que é o produtor e toca sanfona e teclados; Alexandre Marreta, na guitarra; Rodrigo Antônio, na bateria, e Iolanda Cristina, no baixo. É uma formação pequena para poder viajar e a gente usa um pouco de samplers, umas bases eletrônicas nos shows. Mas as canções nos shows a gente já mudou algumas coisas, fazemos releituras de nossas próprias músicas.

Bloga - Seu figurino é você que desenha? Qual é a inspiração para sua roupa, os adereços? Tem uma coisa bem folclórica, remete até a espiritualidade...

Héloa - Esse figurino a gente usou mais no lançamento do EP, no show. E a ideia era justamente me deixar mais solta e a cor branca é porque no show a gente fazia umas projeções, que tem a ver com a capa do disco, que também foi feita com projeções. O artista visual Bruno Sousa, que fez a capa, ouviu cada canção e a cada uma ele fez um mosaico de figuras, e essas figuras, essas montagens, foram projetadas no meu corpo, e aí o fotógrafo Arthur Soares registrou as imagens e foi para o encarte do disco. E a foto da capa, com turbante, flores, aqueles elementos todos, foi justamente para representar essa mistura, as referências que a gente tem no Nordeste, então eu quis trazer isso para a minha cabeça, e acaba também fazendo essa referência religiosa, e é também misturada, em algum momento remete ao candomblé, aos orixás, em outros a Santo Antônio, algo da mística católica, então não tem a ver com uma religião específica.

Espetáculo também visual (Foto: Melissa Warwick)

Bloga - Você já se apresentou em São Paulo, cantou com Otto, como foi aqui, como você sentiu a receptividade aqui na cidade?


Héloa - Essa apresentação com Otto foi muito através de nossos contatos, eu apresentei meu disco a ele e aí calhou de eu estar indo para São Paulo e ele me convidou para fazer uma participação em seu show, que para mim foi uma honra muito grande, porque eu sou fã de Otto desde criança, meu pai sempre ouvia muito ele, e ele sempre foi uma grande inspiração para mim. Então foi incrível essa participação, começamos uma amizade, a gente conversa. E a repercussão e a receptividade lá no show foram muito bacana, o público vibrou muito com essa coisa de ele estar abraçando mais uma artista do Nordeste, que ele e nós gostamos tanto. E foi ótimo também pelos contatos que fizemos aí, com a Tulipa, o Gustavo Ruiz, irmão dela, a gente tem conversado, falado sobre projetos, sobre produção, pois ele é um grande produtor. E fizemos uns shows em São Paulo, foi bem legal, tive a oportunidade de conhecer de perto alguns ícones, como o Carlos Miranda (produtor musical), uma pessoa que me acrescentou muito, o Gui Amabis, que me deu umas dicas para o trabalho, para o CD, que eu quero começar a produção no segundo semestre. Então esse primeiro momento em São Paulo foi muito bacana, para inclusive estreitar esses contatos, que são muito importantes para a gente, e agora no segundo semestre estou indo para aí, passar uma temporada para agilizar a produção do CD e fazer alguns shows também. No EP teve muita coisa autoral, e no CD já quero mesclar, colocar composições de Otto, de outros compositores de que eu gosto bastante, então vai ser um disco autoral, mas não só com músicas minhas, vamos também fazer algumas releituras.

Abaixo, alguns videoclipes da Héloa:


Com Otto, no Festival Cultura Livre de São Paulo




"Barquinho", faixa do EP "Solta"




Ouça o EP "Solta" no SoundCloud:




Acesse aqui o site oficial de Héloa:

Veja mais vídeos em seu canal no Youtube.


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